Postagens

Mostrando postagens de 2007

Um cartão de Natal

Não é exagero dizer que há horas ele estava ali, sentado na cadeira desconfortável de madeira, com a ponta da caneta pingando tinta azul no branco cartonado do papel. Coçava a têmpora num tique nervoso, como se as pontas dos dedos fossem capazes de fisgar a idéia de dentro de seu lago de imaginação. O lago estava seco. Pensar nisso o fez relembrar dos dias de que caminhava muito cedo, pés no chão, com um balde de alumínio numa mão e, na outra, a mão pequena e calosa do irmão mais novo, percorriam quilômetros até um açude que ainda não tinha sido devorado pelo monstro Sol e sua magia negra de fazer desaparecer a água. Chegavam no açude e enchiam o balde com a água barrenta que os animais deixavam. No caminho de volta, cruzavam com uma infinidade de carcaças e ossadas de bois, vacas, bodes. Do sertão só sabe quem lá viveu. Ele sabia e não queria mais saber. Uma buzina estridente na rua o despertou de sua seca viagem, voltou a si. O papel branco marcado por uma infinidade de pequenos p

A noite escura

A noite escura é vasta como sua escuridão. Estar dentro da noite escura é estar dentro de si, é ouvir como se o silêncio fosse algo a ser ouvido, por isso, calar ou falar, não importa. A noite escura nos brinda com a possibilidade de alternativas e todas são corretas. Permanecer com os olhos cerrados, deixando as pálpebras à mostra, ou abrir bem os olhos, deixando as pupilas se dilatarem ao máximo não fará diferença: não se pode ver a pele fina, sensível da pálpebra, não há fio de luz que leve algum objeto ao fundo do cérebro. Nada será visto de qualquer maneira. A não ser os desenhos que se formam do lado de dentro do olho e que, por vezes, parece saltar para alcançar a escuridão à frente, dançando lentamente e com sofreguidão, pequenos girinos acinzentados que tomam a noite escura para si, nadam livres pelo denso do que não se vê. Na noite escura, as esquinas são avenidas e as certezas deixam de ser. Na noite escura não há nada que comprove a vida a não ser o temor de não mais viv

Considerações sobre o futuro ano velho

Este ano está a ponto de se transformar naquele ano, como todo presente tem o irrefutável destino de se tornar passado, lembrança. Vai pro arquivo do arcabouço sustentado pelo pescoço e será revisitado algumas vezes, a fim de dar exemplo a uma conversa ou não errar por um mesmo motivo. 2007 foi um ano atípico para mim, atípico porque tive que reaprender coisas que eu pensei que não precisaria mais aprender. Tive que reaprender a usar meu corpo, tive que readequar meu limites... nunca me esquecerei do dia em que pude andar de novo. Sofridos 10 passos que me fizeram suar, chorar e sorrir. Suados 10 passos, lá em Fevereiro, que me ajudaram a andar muito mais no decorrer do ano. Conheci pessoas maravilhosas, entre elas eu mesmo. Como um xamã que usa de peyote para entrar em contato com o plano astral e curar os males que lhe chegam, eu - sem uso de peyote - também entrei em contato comigo, pra perceber os males que eu mesmo me implantava, as sabotagens que eu fiz para com minha felicida

O Político

O homem entra no banheiro, tranca-se numa das cabines, pendura o paletó do terno num gancho, baixa as calças e assovia para as paredes brancas que o cerca. Limpa-se, veste novamente as calças, o paletó, dá descarga, tenta abrir a porta mas não consegue, o fecho parece emperrado. Ele força a porta duas, três vezes e não há sinal de que irá abrir. Olha para as paredes muito brancas ao seu redor, olha para cima e chama: - Olá, a porta emperrou, alguém aí pode me ajudar? Não há resposta. O homem bufa, olha o relógio e constata que se atrasará para o almoço marcado com uma colega de profissão. Força a porta mais uma vez, com uma raiva que não tinha antes. - Ei, alguém aí fora pode me ajudar? - Inútil, continua sem resposta. Abaixa a tampa do vaso sanitário e senta-se sobre ela... começa a tatear-se e encontra o celular, disca rapidamente um número e em retorno o aviso sonoro de que não há sinal. - Bosta! - esbraveja. - Bosta mesmo, hein!? - uma voz vinda do outro lado da porta. O homem tran

Um sincero fingidor

" O poeta é um fingidor, finge tão completamente que a fingir que é dor a dor que deveras sente" Quando Fernando Pessoa escreveu os versos acima eu era ainda poeira cósmica, aguardando para me tornar um espermatozóide. Mas quando li esses versos pela primeira vez fez-me um sentido como se aquelas palavras tivessem saído de mim e não de outro. A magia do bom escritor é essa, saber dizer de si aquilo que existe nos outros, isso porque escrever é manter relações intelectuais e metafísicas com todos os seres vivos chamados humanos e pensantes. Pra quem escreve, além de e-mails cheios de aaaa, uuuuuu e oooooo, o ato de escrever é como um banho de arruda e sal grosso, como um pileque alegre ou a ingestão de uma picanha bem passada com a capa dourada de gordura pingando. Escrever é estar tão dentro de si que se está dentro de todos ou de qualquer um. Pessoa disse fingir, eu digo criar. Até mesmo mentir. O escritor é um mentiroso de mão cheia, como o marido canastrão e mulherengo

Defi - Ciente

Tão velha quanto a pergunta: "Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?", deve ser aquela: "Quem sou?". Os sábios gregos já tentaram explanar o tema e dissertaram através de variados pontos de vista. E suas conclusões foram tão coerentes que tornaram-se basalares para as teorias científicas vindas depois, como as teorias psicológicas. O fato é que nós, enquanto seres pensantes, não podemos viver com a angústia de não nos definirmos. É necessário nos qualificarmos ou rotularmos, inclusive para que possamos conviver com outros como nós. Isso é inerente de nós, é a constituição básica do viver socialmente. Sem enquadramo-nos numa determinada classe ou grupo ficaríamos isolados. E isso ninguém quer. Esse enquadramento pode ocorrer por diversos fatores: afinidades políticas, religiosas, sociais, musicais, culturais, esportivas etc. Somos o que gostamos, o que não gostamos e o que pensamos. Agora, eu coloco outra coisa: somos como somos. Digo isso porque eu nunca precise

Novembro

Novembro chegou do jeito que costuma chegar: um feriado de Finados no dia 2 e chuva. Chegou Novembro como um frio na barriga pré-Natal, o penúltimo mês que poderia muito bem ser o último, já que Dezembro nunca é levado a sério. Mês de dizer que o ano já passou, que faltou isso, sobrou aquilo, quem-me-dera-o-ano-fosse... teimamos em dizer que o ano nunca foi, que o dia nunca foi, que a vida nunca é. Às vezes, parece até que algumas pessoas vivem um ano de eternos Novembros, meses subsequentes de desejos não-realizados (pior, não-idealizados), de espera por um porvir que será assim, azul, como o mar que me faltou no ano. O frio na barriga, véspera de Dezembro, nunca passa. Porque Novembro nunca passa. Novembro... Novembro. A República da Banana se proclamou -e até hoje tenta saber o que é isso -, surgiu agora a Consciência Negra para ser celebrada no dia 20, ao menos em São Paulo. Mas não acho que criar um dia para a Consciência Negra seja uma prioridade, não acho que um feriado fará

Ensaio sobre a perfeição

No último fim de semana aconteceram várias situações que me fizeram pensar. E o que pensei foi o seguinte: Como já ouço há tanto tempo, ninguém é perfeito mesmo. Mas a perfeição existe. O que descobri é que por se tratar de algo sem necessidade de retoques, sem necessidade de ajustes, a perfeição só acontece quando há união de duas ou mais pessoas. Excluindo Deus, um ser único não é capaz de atingir a perfeição e isso acontece porque a perfeição exige uma doação que só parte de uma união de coração repletos de Amor determinados em buscar um objetivo único. O objetivo pode ser qualquer um, desde a felicidade até a prosperidade. O que faz algo ser perfeito é o Amor que nele foi depositado. Deus é perfeito porque Ele é o Amor. Esse Amor que digo é o sentido por um pai e uma mãe para com o filho, do irmão para outro, mas também é o Amor no sentido de doação de uma parte de você para outra pessoa, para um objetivo. Amar é acreditar em algo ou alguém e ir em busca daquele/ daquilo com a

Curta as curtíssimas

Ironia Passou por mim uma garota com uma camiseta estampada: Fuck You. Ironia, na minha estava: U2. Miragem Abriu a porta da geladeira e viu, atrás da duna, a última lata de cerveja. Amor de mãe - Menino, larga esse cigarro que vai chover! No parque Lembrou-se porque detestava passeios no parque: a solteirice sempre o fazia pisar na bosta dos cachorros. Plantão Abriu os olhos, já era outro ano. Lápide "Se você ler isto aqui é porque morri". Degustação Seus lábios eram de mel e seu hálito de João. Perversa Gemeu mais três vezes, só pra ver ele morrer. Curtíssima - Que delícia de coxas!

Vó Conceição

Pequena e serelepe, uma moça conservada sob um corpo de mulher madura. Palavras doces que só poderiam ser ditas por uma voz suave e fina, como era sua voz. Mas, às vezes, seu tom mudava, transformava-se na voz da mulher aguerrida, batalhadora e, acima de tudo, vencedora. Tudo para manter a ordem em seu palácio chamado "lar". Um sorriso sincero e discreto sempre me aguardava quando chegava-me a ela, um abraço maternal e a benção. Caridosa, seus atos eram reflexo do amor e devoção que seu coração católico tinham por Jesus Cristo. Uma filha de Deus, uma filha que deixa seu Pai orgulhoso, sempre. Uma mãe, uma avó. Minha avó. Aquela que me deixava tomar café preto quando eu era pequeno, que dizia sempre pra eu comer um pouco mais pra não ficar fraco. A mulher que me mostrou a delícia que era o bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Ah... que falta o mundo sentirá dela, mesmo que não saiba. Hoje, as pessoas amanhaceram com um gostinho amargo na boca, algo que não sabiam di

Amiúde

A Língua Portuguesa é uma coisa de louco... pra não dizer de português. É uma Língua rica e difícil, muito mais difícil que o Inglês. Talvez, por isso, tenha tão poucos falantes. Aliás, se não fosse o Brasil, arrisco-me a dizer que o Português seria uma Língua à beira da extinção. Dentre as riquezas do nosso Português está seus vocábulos, uma vasta gama deles. Aí mora um de seus perigos. Sem falar nas flexões etc. Eu, enquanto estudante de Letras, começo a captar ainda mais nuâncias que permeiam a construção do nosso vocabulário. Acho um estudo magnifíco, sempre gostei das palavras e agora essa paixão é mais intensa. Dentre as palavras que existem em nossos dias e nos dicionários uma me chama a atenção: amiúde. Não me lembro qual foi a primeira vez em que nos cruzamos, mas lembro-me de uma música de Zé Ramalho onde ele canta: ..."Fotografias recortadas em jornais de folhas amiúde...". Pra mim sempre fora muita clara a mensagem: o cara recortou uma fotos de jornais em folha

O desmatamento e a coriza

Na minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, de dia faz um calor danado e, à noite, sabe-lá o que vai dar. Cheguei à conclusão que o desmatamento é o ópio do clima terrestre. Porque cada vez mais devastado, cada vez mais pirado fica o clima, as estações, tudo que envolve a Natureza. Pobre Mãe-Natureza, está tão chapadona com a fumaça expelida pelas chaminés de fábricas, escapamentos de automóveis e afins que sequer consegue fazer suas tarefas mais básicas, como impor ao verão o calor e ao inverno o frio. Aqui, na parte de baixo do Hemisfério é Primavera, mas, na prática, isso é mentira descarada. Primavera coisa alguma, a estação agora é mutante, de acordo com os caprichos das frentes frias, quentes, mornas... Não pode-se mais dizer que uma estação é uma estação, ela é todas, depende do dia. Hoje, por exemplo, não é Primavera e sim Primaverno porque tá um frio de lascar e a vontade de sair pra colher os recém- floridos botões dos jardins, onde fica? No mesmo lugar onde estão o

Amar

Quem ama não sabe o que ama, nem sabe porque ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, inocência: não pensar. Por isso, cambaleio pelas ruas da vida, tropeçando em corações que não existem e, mesmo assim, sangram. Brinco de olhar para os olhos que não me enxergam e brinco de pegar pela mão um corpo que não há. Polinizo meus passos com um sorriso sincero, deixo transparecer uma alma pueril que ilumina-se na menor descoberta e encolhe-se com o medo de escuro. Não, nunca soube o que é amar e mesmo assim tento, pinto, bordo, faço choro e faço abraço. Saudade e afago. Digo coisas sentimentais e filosofias de fundo de garrafa. Amar assim, como amo, é o jeito que sei que é amar. Se não existe o certo, nem o errado no amor fico mais calmo, pois posso ser perdoado. Neste caminho de amante, parti muitos corações partidos e partiram meu coração partido, em cada despedaçar, uma pétala a menos no jardim e um novo botão a florescer. É preciso chover e fazer Sol, somente assim o solo fertil

Adelaide

Adelaide era uma moça, mas poderia muito bem ser um passarinho, tal a leveza com que andava pelas ruas, quase a flutuar levada pelas brisas amenas do ontem e do hoje. Tinha os cabelos castanhos claros e encaracolados e um rosto de pele tão alva e sedosa que poderia ser uma pintura feita por um artista do século XVIII, mas Adelaide não era pintura, nem era passarinho. Ela costumava encostar-se naquela esquina ali, onde tem a barraca de cachorro-quente agora, sentava-se naquela mureta e aguardava quem alguém lhe oferecesse serviço. Nunca soube dirigir, mas havia passeado em muito carros e gostava de todos, fossem os novos com cheiro de novos, fossem os velhos com cheiro de ferrugem. Olhava para todos os cantos dos carros, os estofados, o teto, o velocímetro. Quem conhecia um pouco mais de Adelaide dizia que não passava de uma menina e, como toda menina, tinha nos olhos a vontade incessante de descobrir. Sua beleza era simples e exata, os traços finos e os movimentos sincronizados, pa

Se eu quiser falar com Freud

Se eu quiser falar com Freud Tenho que deitar no divã, tenho que esquecer seu rosto Tenho que soltar a voz, tenho que contar segredos e saber que está contando o tempo. Se eu quiser falar com Freud, tenho que me assegurar de não esquecer meus medos, nem desejos, tudo por falar. Tenho que abrir o peito e me olhar dentro do espelho. Se eu quiser falar com Freud, tenho que saber sonhar, tenho que contar detalhes que não posso suportar, tenho que lembrar amores que eu nunca esqueci, tenho que dizer verdades, verdades que me fazem existir. Se eu quiser falar com Freud, tenho que me perdoar, tenho que ouvir seu silêncio e nele me confortar. Tenho que falar como Homem, como um filho de Deus. Tenho que fazer de tudo, pra saber quem sou eu.

Naquele dia, eu brinquei no Paraíso.

Lembro-me como se fosse hoje, era um dia de Julho, beirando Agosto, acordei cedo e num pulo. Prestei atenção aos barulhos da casa, não havia barulho. Fui ao banheiro e escovei lentamente meus dentes. Quando desci as escadas me deparei com tios e tias, meu pai e minha mãe. Todos cabisbaixos e quietos, como minha audição anterior havia percebido. Ausência também é algo que se percebe. Ainda estranhando, cumprimentei a todos, que me responderam com abraços longos e ternos, estranhei aquilo, assim como estranhei os olhos inchados que tinham todos eles. De repente, como se não pudesse ais sufocar um desejo, minha tia começou a chorar e, neste instante, minha mãe pegou-me pela mão e me levou até a cozinha. - Filho, aconteceu uma coisa. - Quem morreu? - eu não sei porque fiz aquela pergunta, nem havia pensado qualquer coisa assim, após ter deixado as palavras fugirem da boca me espantei, minha mãe também. - Você sabe que o vovô não estava muito bem... - fez uma pausa, olhou para cima e

Sufocamentos

A chuva escorregava pelas paredes do prédio em frente, uma pequena avalanche que desaguava na cabeça de quem passava, bem pequeno, lá embaixo. Uma tempestade estava se aproximando da cidade, os temerosos corriam pelas calçadas e embaçavam os vidros dos ônibus dirigidos com pouco prudência pelos motoristas. Era meio de tarde e a chuva não podia conter o calor abafado que me fazia transpirar levemente pelos poros. Naquele dia resolvi não trabalhar afim de organizar meus poucos pertences para a mudança que faria. Ao passo que ia retirando as coisas de armários, gavetas, estantes, menos vontade eu tinha de fazer aquilo, mas era como fugir do irremediável e do irreparável, era preciso ir contra aquela sensação fria que me dominava a cada peça embrulhada em papel de jornal e posta em caixas de papelão. Para espantar este calafrio, ia cada vez com mais freqüência até a janela, espiar a chuva e fumar. Isso acalmava um pouco. Vendo aquela chuva cair na rua suja e vendo aquele céu cinza, com

Passe graxa nas engrenagens do coração

Penso o que sou ou sou o que penso? Quase como o famoso "ser ou não ser". Os aglutinadores dias do recém- nascido século XXI estão impondo uma transformação avassaladora em nós, estamos deixando de ser humanos e estamos agindo feito máquinas. Máquinas programadas para produzir, gerar renda e , agora, preocupar-se com o meio ambiente. Estamos agindo de forma maquinal, como o pêndulo de um relógio que deve tombar de um lado para o outro a fim de fazer os ponteiros do relógio andar, temos que seguir caminhando e fazendo o que nos foi designado fazer para que o planeta Mundo não pare. Pois não pense que o que faz a Terra girar seu movimento de rotação é a gravidade, a Lei da Atração Astral ou o que mais quiser. Quem faz a Terra girar em torno do seu próprio eixo somos nós, que pensamos nisso. Então, para que a Terra continue a girar é preciso acordar cedo, ao despertar do relógio, ir ao banheiro, urinar, preparar o café, adoçá-lo e tomá-lo para que as engrenagens do corpo volte

O artista

Cada pessoa tem ou quer ter uma profissão. Às vezes, temos a sorte de desempenhar a mesma profissão que acreditamos querer, outras vezes, desempanhamos aquela que dará retorno financeiro. Encolhem os ombros para os chefes e escondem-se atrás de pilhas de papéis praticamente inúteis, o coração vai pesando e pesando, mesmo sem se perceber. O contador e o instrutor de motoristas olham pela janela do escritório e do carro, vislumbram uma vida sonhada e sentem pesar pelo presente vivido. Quem nunca se sentiu assim? Vivendo uma vida que julga não ser a escolhida? Acho que a maioria. E, por trás destes olhos secos e das bocas amargas, escondem-se paraísos, verdadeiros oásis, refúgios adornados de perfeição. Onde se é o que se quer. A mente brinca por um instante e passamos a sonhar. Nesses sonhos, em que somos o que queremos, somos todos artistas. Pintamos nosso sorriso, versamos nossas paixões, cantamos nosso júbilo. Vivemos plenos e em harmonia com tudo o que há em volta. Esses oásis po

Toca o sinal, hora de voltar à sala de aula.

Passava das sete horas da noite, o alarme tocou, ecoando pelos corredores da Universidade. Naquele momento, estava em pé ao lado do bebedouro localizado próximo à minha sala. Ao ouvir o aviso sonoro, senti as paredes de meu estômago tremerem e minhas mãos gelarem. As pessoas caminhavam para suas respectivas salas, falantes, sorridentes, alegres. Cadernos e pastas em mãos. Caminhei também para minha sala, olhei para os companheiros de turma que não prestaram atenção à minha chegada, entrertidos com conversas paralelas e em pequenos grupos circulares. Sentei-me e aguardei calado a chegada do professor. Passados poucos minutos, entra um homem de estatura média, vestia camiseta pólo listrada em amarelo e azul, calça jeans um pouco desbotadas e tênis que um dia foram brancos. Sorriu para todos e sem pedir silêncio, apresentou-se. Como se falasse para uma classe "toda ouvidos", o homem começou seu discurso inicial de boas vindas e de apresentação para os alunos que não o ouviam,

" O Segredo" é um sim.

Imagem
Engraçado como são as coisas, meus últimos posts têm sido, de forma não pensada, sobre um movimento positivo que está se consolidando em minha vida. Logo, tenho procurado falar de coisas que valem a pena, dos pensamentos que devem ser disseminados pelos quatro cantos. De forma natural, a leveza que brota no de-dentro toma o ar e se ramifica para fora do corpo, da mente, pra alcançar outros corpos e outras mentes. Confesso, estou abestalhado com isso, porque nunca fui dos mais otimistas, seguindo a linha cética e coerente de José Saramago, diria: "Não sou pessimista, o mundo que é péssimo." Sabendo de tanta guerra, discórdia, ganância, fome que assolam o planeta, pensar assim é, no mínimo, ser realista. E se deixarmos este âmbito globalizado e nos concentrarmos no nosso universo particular, pode ser que a coisa não melhore muito: dinheiro insuficiente, atenção, insuficiente, saúde insuficiente...tantas insuficiências que parece impossível vislumbrar um horizonte limpo e uma v

Um olhar, uma mão e um pouco de sim...

Os pensamentos têm sido leves, logo, os dias têm sido leves, de um jeito tão incomum que parecem irreais. Algumas pessoas encontram dificuldade em estar em paz e logo acham que isso seja algo a se desconfiar. Quando tudo o que mais se quer acontece, vem o medo. E agora? Parece, então, que o melhor mesmo é nunca alcançar e viver, dia após dia, uma lamentação de desejos não realizados. Como se ao encontrar o que se procura termina-se também a esperança. Encontrava-me entre os que pensam assim. Não posso dizer que seja tolice, embora seja, pois tantas coisas permeiam a cabeça de cada um, tantas pressões, tantas angústias, enfim, cada um sabe bem oque lhe incomoda e cada um sabe bem o que lhe faz bem. O problema é quando não enxergamos muito claramente o que vemos e o que queremos. Então, nestes dias leves que acontecem para mim, deixei de lado o receio da felicidade e tenho procurado ir de verdade atrás daquilo que me faz bem. Estar sozinho me faz bem? É assim que ficarei... ler um liv

Réquiem

Imagem
Eles estavam na terra, eles estavam no ar. O que traziam consigo em suas mentes nunca será descoberto, o que faziam naquele momento pouco importa agora. Alguns deviam estar trabalhando, outros a descansar. Preparando-se para o fim do dia, para o fim da viagem. Nunca para o fim da vida. A tragédia que invadiu a casa de milhões de pessoas ao redor do mundo, através das notícias televisivas, consternou, enfureceu, entristeceu. Via-se pela televisão o empenho do Corpo de Bombeiros para acabar com os focos de incêndio que consumiam o prédio invadido pelo avião da TAM, via-se o choro de quem não sabia se seu parente estava ao não à bordo do avião, as notícias chegavam amiúde e controversas, quem deveria tomar partido e falar, calou-se. Silêncio que asfixiava as esperanças de quem só podia ter esperança. Pouco a pouco, a dimensão da tragédia tornava-se cada vez maior, assim como a indignação de quem sofria na pele, no coração, na alma e via nas imagens daquele prédio em chamas o fim da vida

Lembrança, Nostalgia, Saudade

Não é de hoje que somos bombardeados com a seguinte mensagem: "Viva o presente!". Talvez esta filosofia de vida deva ter se difundido com maior grandeza nos lisérgicos anos 60. E não digo lisérgicos apenas pensando nos hippies norte-americanos, a década de sessenta foi libertária e revolucionária em todo o mundo, mesmo nos países que sofreram com regimes autoritaristas militares, como o Brasil. Ou você acha que em plena ditadura militar não havia os loucos escondidos atrás de suas aparentes normalidades? Isso sempre teve e sempre terá. E quanto mais proibido melhor. Mas não é sobre isso o que quero falar. Estava dizendo sobre viver o presente, coisa, ou filosofia, que eu acho da maior importância, afinal, é no presente que estamos. Não adianta projetar milhares de coisas para um futuro que pode não vir, pior ainda é enterrar os pés na planície segura do passado. Segura sim, pois já passou e não há nada a se fazer, e no passado não há "perigo" de uma surpresa desagr

O dinheiro de plástico

Ano: 2007 Século: XXI E eu não uso cartão de crédito. Não uso, porque ter, todo banco faz questão que você tenha. O motivo eu não sei. A praticidade? A comodidade? Os juros exorbitantes? Vai entender... Assim como muitas pessoas não entendem como eu não uso um cartão de crédito. E digo, na minha cabeça de homem do século passado, esse utensílio, esse "dinheiro" é problema. Hoje eu tive mais uma prova da minha filosofia: acordei tranquilamente, fui até a cozinha e recebo uma carta da minha mãe. Abro a carta e me deparo com uma fatura de cartão do banco "Completo". Revoltado e confuso, vi que me cobravam uma taxa administrativa no pífio valor de R$ 6,45. Pífio, porém indevido. Afinal, porque devo pagar por algo que não utilizei, pior, algo que sequer pedi. Sim, recebi o tal cartão uns 2 meses atrás mas, como homem do século passado, nem dei bola. Cheguei a pedir pra minha mãe jogar fora o cartão e pra mim ali, dois meses atrás, estava resolvida a situação. Não

Futilidades

Imagem
Esta semana não há nada de profundo para eu compartilhar, nem sempre, também, é preciso dizer coisas bonitas, filosóficas e interessantes. É assim comigo,com você, com todo mundo. Quem nunca deixou, mesmo que por um minuto, a tv sintonizada num daqueles programas de fofoca? Tem coisa mais inútil do que ficar sabendo da vida de uma pessoa que não faz a menor diferença na sua vida? Mesmo assim, há aquele minutinho de atenção. E isto se dá porque precisamos disto, precisamos nos desligar um pouco do Jornal Nacional com seus tiroteios em morros cariocas, assaltos violentos em São Paulo, guerras ao redor do mundo. Viver 24 horas do dia sob a pressão de ter que fazer, ter que acontecer, ter que se preocupar, ter que isso e aquilo acaba com qualquer cidadão. Por isso, há de se ser um pouco fútil também, um pouco palhaço, um besta mesmo. Vá para frente do espelho e ria de você mesmo, deixe o problema de lado por um instante, ele não irá se perder (infelizmente). Outra forma ótima de se ser

Havia um pássaro azul no fim do túnel

"O que acontece quando chega o fim?", ele pensava isso, assim como todos os que conhecia. Ele tinha certeza de que terminaria, mas como? Em sua (pouca) experiência de vida, ele havia vivenciado alguns fins e a sensação ele sabia bem: como se andar numa estrada que, de repente, acaba. Um desenho inacabado que numa hora tem cores, na outra é tudo branco. Um vácuo dentro dele que, sem ar, morria asfixiado. E ressuscitava, sempre ressuscistava. Depois, era recolher os cacos do que havia sobrado e começava novamente o trabalho artesanal de juntar peça por peça aquilo que seria ele novamente. Talvez fosse mesmo esta a finalidade das coisas: a necessidade de construções, destruições e recomeços. O problema é que ele já achava que havia tanto recomeço já guardado que, talvez, nunca tivesse avançado mesmo. "Uma hora isso acaba", ele pensava. Acabaria e seria o que então? O vácuo infinito... um eterno sufocamento? Pensar assim era duro demais para ele. Se um sofrimento perver

Frases feitas, ações desfeitas.

O que ficou do passado não tem jeito, não tem volta. Acabei de olhar pro céu, e não achei nada lá que brilhasse mais que você, por isso, não quero as estrelas, quero sua constelação. Fico então mudo, nulo, disperso. Dormir sozinho é descansar, dormir junto é sonhar. Criarei novas línguas pra dizer a mesma coisa. Quando te vejo colocar brilho nos lábios, nada mais existe além de você, sua boca, desejo. Dançar no escuro é perigoso, e melhor do que nunca ter dançado. Depois que os dias passam, que as horas passam é que se percebe: o tempo passou. Deito em seu colo, peço perdão, sem esperar ser perdoado. Perder nem sempre é ser derrotado. Nem lágrimas e nem palavras, o que tenho é apenas um sorriso largo que ficou grudado em meu pensamento, como um dia bonito de primavera. Burocracia é dizer "te amo" como quem diz "bom dia". Quando pensar em chorar, cante uma canção. Buscar num par a perfeição é achar a solidão. Perder-se de amor é bom de nunca se ser encontrado.

Bárbara

Anteontem, enquanto caminhava até o banco para pagar uma conta, conheci Bárbara. Eu estava completamente absorvido em pensamentos quando ela apareceu, como se a tivessem posto ali, na minha frente, de propósito. Como se materializassem um pouco do que estava pensando, mas eu não estava pensando em Bárbara, nem sabia quem era ela. Mas fiquei feliz de a conhecer. Tem certas coisas que acontecem conosco e pensamos: "puxa, não acredito que eu só fiz isso agora, se soubesse como era bom, tinha feito antes...", às vezes, pensamos a mesma coisa quando conhecemos alguém: "não acredito que só te conheci agora...". Bom, eu sempre acho que tudo acontece na hora em que deve acontecer, se for pra acontecer. Quando acontece este tipo de coisa não acho que seja saudável pensar no tempo em que você poderia ter feito e não fez. O principal de tudo já aconteceu: a descoberta. O importante daí pra frente é usar o tempo futuro para aproveitar. Pensando assim que, desde anteontem, quand

Quase-morte

Há um tempo atrás, meses, tive uma experiência que espero ser única. A quase-morte. Não sei se digo agora quase-morte ou não-morte, afinal, estou vivo. O "quase" se tornou mera conveniência. A verdade é que quando isto aconteceu eu não estava presente pra saber o quão ruim esta experiência é, fiquei de expectador da minha própria vida e minha vida estava inteiramente na mão de outras pessoas, como se estivesse num carro desgovernado, nada que se faça no volante mudará o trajeto que o carro desenhará. Nem dor senti, só depois. Antes de uma quase-morte, o que vivi pareceu a mim mais uma longa noite de sono que durou quase uma semana. Depois de acordado é que as coisas começaram a existir e tudo muito confuso, mas não estranho. Engraçado isso, ainda não sei expressar muito bem a coleção de sentimentos que tive quando acordei naquela UTI com uma perna engessada, a outra com uns pinos atravessando minha canela, sem poder mexê-las. Talvez demore anos de terapia para que eu possa

À Sombra

Venho de terras distantes trazendo boas novas! Digo que a chuva acabou, a terra secou E está tudo pronto para as novas floras. Venho de outras pastagens, de verdes claros como límpido mar. Trago nas mãos o sopro da brisa leve Que suaviza toda forma de pensar. Descrente! Pare por um instante e vê! Há outras pairagens tão belas quanto estas? Há outro que te queira bem, como este quer? Não desista pelo cansaço da luta, tampouco pela decepção da derrota. Nenhuma batalha é feita só de vitória, somente a dor traz a glória. Quebre os espelhos que lhe mentem, que lhe dizem que não pode. Tudo pode, tudo alcança Se for feito por amor, sem ódio, sem vingança. Dedica sua vida a quem não sabe se existe, mas que sabe de sua existência. E não espere pela sombra de uma árvore que não foi plantada.

O armário de Jacira

Há dias que Jacira andava estranha, quase não conseguia parar no lugar, ia e vinha dentro de casa. Na cozinha, na sala, no banheiro. Não parava quieta. Os filhos foram os primeiros a perceber e, ao perguntar à mâe o motivo da agitação, recebiam um "Mas, que moleques! Não tenho nada, oras." Só parava mesmo para ficar olhando para o canto do quarto onde ficavam as caixas que serviam de guarda-roupa para as roupas dela e do marido. Desde uma enchente que invadiu a casa que moravam, não tiveram condições de comprar outro. As caixas foram a solução temporária para o problema. Já faziam 2 anos. A estranheza de Jacira começou a ficar perigosa quando atingiu o esquecimento. Um dia, esqueceu a boca do fogão ligada, queimou o arroz, queimou a panela, uma fumaça escura tomou conta de toda a casa (que era bem pequena). Outra vez, saiu do trabalho e esqueceu de pegar o filho mais novo na creche, no dia em que o mais velho tinha treino na escola e não podia pegá-lo. Só se deu conta da f

Tempos Modernos

Estava há algum tempo com aquela música na cabeça " Eu vejo um novo começo de Era ..." e quando ela invadia sua cabeça, tentava saber qual o motivo daquilo. Pois, para ele, tudo havia motivo para acontecer, tudo era o indício de um SINAL. Ele gostava da música, era positiva. O sinal era bom, então. Isso era bastante para que se abrisse um sorriso em seu rosto. Não dividia com ninguém as suas teorias, achava que poderiam rir dele, dizer que estava louco. Como se isso realmente fizesse diferença... " vamos nos permirtir .". Para ele fazia, não falava. Assim, deixava seu silêncio invadir os seus passos e seus contatos, que eram poucos. Na roda de amigos, enquanto falavam, gesticulavam, brincavam, ele sorria, da maneira mais amistosa, guardando pra si tudo o que sentia e sabia, olhava para os olhares e ouvia as frases buscando nelas também o sinal, o significado. Outro dia ele encontrou uma menina muito bonita, se apaixonou e continuou calado. Mas sorriu o sorriso mais

Tantas coisas...

O tempo passa, algumas coisas mudam. Menos os homens: eles continuam tendo estrias . Por isso que o blog está de volta, depois de um longo silêncio. Este blogueiro que vos escreve passou por poucas, boas, ruins, péssimas e variáveis. Tudo aconteceu, o mundo deu voltas e cá estou, pra continuar falando do nada que preenche tudo, tudo o que se passa na vida e na minha cabeça. Dedico este retorno àqueles que trilham o caminho comigo, os amigos, a família. Tha, o amor. Nesta "segunda fase", pretendo usar mais o espaço pra divulgar minhas palavras, minhas histórias. Mas sempre sobrará tempo pra dizer o que há de mais cru no pensamento.