Um sincero fingidor

" O poeta é um fingidor,
finge tão completamente
que a fingir que é dor
a dor que deveras sente"


Quando Fernando Pessoa escreveu os versos acima eu era ainda poeira cósmica, aguardando para me tornar um espermatozóide. Mas quando li esses versos pela primeira vez fez-me um sentido como se aquelas palavras tivessem saído de mim e não de outro.
A magia do bom escritor é essa, saber dizer de si aquilo que existe nos outros, isso porque escrever é manter relações intelectuais e metafísicas com todos os seres vivos chamados humanos e pensantes. Pra quem escreve, além de e-mails cheios de aaaa, uuuuuu e oooooo, o ato de escrever é como um banho de arruda e sal grosso, como um pileque alegre ou a ingestão de uma picanha bem passada com a capa dourada de gordura pingando. Escrever é estar tão dentro de si que se está dentro de todos ou de qualquer um.
Pessoa disse fingir, eu digo criar. Até mesmo mentir. O escritor é um mentiroso de mão cheia, como o marido canastrão e mulherengo que chega em casa tarde da noite, bêbado, com perfume de outra pelo corpo, mas não esquece de levar um presentinho pra mulher que ele ama. Porque ele ama. Assim, é o escritor, um canastrão irresistível. Você sabe que ele está mentindo e mesmo assim não deixa de acompanhá-lo, mais que isso, você quer as suas mentiras, elas preenchem um canto de sua alma que nenhum outro ser foi capaz de sequer tocar, as suas palavras podem ser doces ou ácidas, não importa. Ele nunca erra contigo. Com ele você é feliz e satisfeito(a).
E o escritor é para si o mesmo que um balconista ou um almoxarife, um tabalhador. Escrever não é ato de amor, é mais um ato de dor, física até. Ficar horas debruçado em frente a uma tela de computador ou papel, percorrendo os milhões de caminhos e possibilidades do labirinto-cérebro buscando a palavra exata que dê por completo o sentimento e sentidos que já estão formados em seu inconsciente.
Escrever é redenção e auto-flagelo. Quantas vezes o escritor não e debate tentando negar o final daquela história que já se escreveu.
O escritor é um caminho das palavras, mais do que isso é desumano.

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