Passe graxa nas engrenagens do coração


Penso o que sou ou sou o que penso? Quase como o famoso "ser ou não ser". Os aglutinadores dias do recém- nascido século XXI estão impondo uma transformação avassaladora em nós, estamos deixando de ser humanos e estamos agindo feito máquinas. Máquinas programadas para produzir, gerar renda e , agora, preocupar-se com o meio ambiente.
Estamos agindo de forma maquinal, como o pêndulo de um relógio que deve tombar de um lado para o outro a fim de fazer os ponteiros do relógio andar, temos que seguir caminhando e fazendo o que nos foi designado fazer para que o planeta Mundo não pare. Pois não pense que o que faz a Terra girar seu movimento de rotação é a gravidade, a Lei da Atração Astral ou o que mais quiser. Quem faz a Terra girar em torno do seu próprio eixo somos nós, que pensamos nisso.
Então, para que a Terra continue a girar é preciso acordar cedo, ao despertar do relógio, ir ao banheiro, urinar, preparar o café, adoçá-lo e tomá-lo para que as engrenagens do corpo voltem a girar após uma noite de sono mal dormida povoada de realidades que ainda não aconteceram. Depois, o banho, as roupas. Acordar as crianças, se as tiver, o marido, a esposa. Ligar o carro e sair. Todas estas ações repetidas diariamente, anos a fio, tão bem decoradas que não é mais preciso pensar em faze-las, elas acontecem por vontade própria num ato maquinal que nos propomos a desempenhar para otimizar o tempo e chegar mais cedo aonde quer que se queira chegar e, chegando lá, continuar a sequência de atos involuntários e contínuos.
Parece que nos tornamos simples pedaços de músculos sofrendo de intermináveis crises espasmáticas, cada ação é, em verdade, um reflexo involuntário a um pensamento: "preciso acordar, abro os olhos", "preciso comer, mastigo", "preciso amar, digo eu te amo".
" Preciso amar, digo eu te amo". Os sentimentos parecem também se encaminharem para a mesmo manifestação maquinal que o restante do que somos. A qualidade de nossas vidas não se resume apenas ao stress, à correria, à poluição. Agindo como máquinas, estamos deixando de sentir, verdadeiramente sentir. Então quando se está alegre, sorriso; quando se está triste... ocupa-se a cabeça com outras inquietações, aquelas que não nos diz respeito.
Mas isso me parece perfeitamente normal, afinal, estamos numa época em que sentir é demonstrar fraqueza e o mundo não é dos fracos. É?
Não chegarei a conclusão alguma ao fim deste texto, talvez nem mesmo ao fim da minha vida. Acho que a finalidade da vida nunca esteve tão distante da compreensão como agora.
Penso o que sou ou sou o que penso? Prefiro a segunda opção, pois tenho em meus pensamentos ainda a esperança de que voltaremos a ter pele, tato e sentimentos aflorados. Para isso, tenho cuidado de mim - homem/máquina -, olhando um pouco menos para as engrenagens do relógio e passando mais graxa nas engrenagens do coração.

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