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Mostrando postagens de novembro, 2007

O Político

O homem entra no banheiro, tranca-se numa das cabines, pendura o paletó do terno num gancho, baixa as calças e assovia para as paredes brancas que o cerca. Limpa-se, veste novamente as calças, o paletó, dá descarga, tenta abrir a porta mas não consegue, o fecho parece emperrado. Ele força a porta duas, três vezes e não há sinal de que irá abrir. Olha para as paredes muito brancas ao seu redor, olha para cima e chama: - Olá, a porta emperrou, alguém aí pode me ajudar? Não há resposta. O homem bufa, olha o relógio e constata que se atrasará para o almoço marcado com uma colega de profissão. Força a porta mais uma vez, com uma raiva que não tinha antes. - Ei, alguém aí fora pode me ajudar? - Inútil, continua sem resposta. Abaixa a tampa do vaso sanitário e senta-se sobre ela... começa a tatear-se e encontra o celular, disca rapidamente um número e em retorno o aviso sonoro de que não há sinal. - Bosta! - esbraveja. - Bosta mesmo, hein!? - uma voz vinda do outro lado da porta. O homem tran

Um sincero fingidor

" O poeta é um fingidor, finge tão completamente que a fingir que é dor a dor que deveras sente" Quando Fernando Pessoa escreveu os versos acima eu era ainda poeira cósmica, aguardando para me tornar um espermatozóide. Mas quando li esses versos pela primeira vez fez-me um sentido como se aquelas palavras tivessem saído de mim e não de outro. A magia do bom escritor é essa, saber dizer de si aquilo que existe nos outros, isso porque escrever é manter relações intelectuais e metafísicas com todos os seres vivos chamados humanos e pensantes. Pra quem escreve, além de e-mails cheios de aaaa, uuuuuu e oooooo, o ato de escrever é como um banho de arruda e sal grosso, como um pileque alegre ou a ingestão de uma picanha bem passada com a capa dourada de gordura pingando. Escrever é estar tão dentro de si que se está dentro de todos ou de qualquer um. Pessoa disse fingir, eu digo criar. Até mesmo mentir. O escritor é um mentiroso de mão cheia, como o marido canastrão e mulherengo

Defi - Ciente

Tão velha quanto a pergunta: "Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?", deve ser aquela: "Quem sou?". Os sábios gregos já tentaram explanar o tema e dissertaram através de variados pontos de vista. E suas conclusões foram tão coerentes que tornaram-se basalares para as teorias científicas vindas depois, como as teorias psicológicas. O fato é que nós, enquanto seres pensantes, não podemos viver com a angústia de não nos definirmos. É necessário nos qualificarmos ou rotularmos, inclusive para que possamos conviver com outros como nós. Isso é inerente de nós, é a constituição básica do viver socialmente. Sem enquadramo-nos numa determinada classe ou grupo ficaríamos isolados. E isso ninguém quer. Esse enquadramento pode ocorrer por diversos fatores: afinidades políticas, religiosas, sociais, musicais, culturais, esportivas etc. Somos o que gostamos, o que não gostamos e o que pensamos. Agora, eu coloco outra coisa: somos como somos. Digo isso porque eu nunca precise

Novembro

Novembro chegou do jeito que costuma chegar: um feriado de Finados no dia 2 e chuva. Chegou Novembro como um frio na barriga pré-Natal, o penúltimo mês que poderia muito bem ser o último, já que Dezembro nunca é levado a sério. Mês de dizer que o ano já passou, que faltou isso, sobrou aquilo, quem-me-dera-o-ano-fosse... teimamos em dizer que o ano nunca foi, que o dia nunca foi, que a vida nunca é. Às vezes, parece até que algumas pessoas vivem um ano de eternos Novembros, meses subsequentes de desejos não-realizados (pior, não-idealizados), de espera por um porvir que será assim, azul, como o mar que me faltou no ano. O frio na barriga, véspera de Dezembro, nunca passa. Porque Novembro nunca passa. Novembro... Novembro. A República da Banana se proclamou -e até hoje tenta saber o que é isso -, surgiu agora a Consciência Negra para ser celebrada no dia 20, ao menos em São Paulo. Mas não acho que criar um dia para a Consciência Negra seja uma prioridade, não acho que um feriado fará