O Político

O homem entra no banheiro, tranca-se numa das cabines, pendura o paletó do terno num gancho, baixa as calças e assovia para as paredes brancas que o cerca. Limpa-se, veste novamente as calças, o paletó, dá descarga, tenta abrir a porta mas não consegue, o fecho parece emperrado.
Ele força a porta duas, três vezes e não há sinal de que irá abrir. Olha para as paredes muito brancas ao seu redor, olha para cima e chama:
- Olá, a porta emperrou, alguém aí pode me ajudar?
Não há resposta. O homem bufa, olha o relógio e constata que se atrasará para o almoço marcado com uma colega de profissão. Força a porta mais uma vez, com uma raiva que não tinha antes.
- Ei, alguém aí fora pode me ajudar? - Inútil, continua sem resposta. Abaixa a tampa do vaso sanitário e senta-se sobre ela... começa a tatear-se e encontra o celular, disca rapidamente um número e em retorno o aviso sonoro de que não há sinal.
- Bosta! - esbraveja.
- Bosta mesmo, hein!? - uma voz vinda do outro lado da porta. O homem trancado sorri:
- Puxa,amigo, você veio na hora certa. Parece até brincadeira o que me aconteceu...
- Não precisa continuar que eu sei o que aconteceu, está preso aí dentro não é mesmo?
- Estou - ri -, o senhor pode me ajudar a desemperrar a porta ou chamar algum infeliz da manutenção pra me tirar da daqui? Tenho pressa.
- Mas não há motivo para pressa, senhor. Aliás, quem sabe você não continua a fazer o serviço que mais gosta: cagar.
- Quem é que tá aí? Escuta aqui, me faz o favor de me tirar daqui!
- Acho que não.
- Você sabe com quem está falando?
- E você, sabe com quem está falando?
Silêncio.
- É, senhor deputado. Agora você sentiu medo, não é? Há quanto tempo você usa desse seu poder de homem público para chantagear e intimidar as pessoas? É ruim ser intimidado por conta de um cargo, não é mesmo?
- Escuta, eu não sei com quem estou falando, só estou pedindo que me tire daqui, por favor.
- Humildade... - risos - enfim uma linha de humildade saiu dessa boca. Deputado, pense bem. Você quer realmente sair daí?
- Claro.
- Pense novamente. Aí dentro você não precisa responder às perguntas daqueles repórteres que tanto querem saber das denúncias envolvendo seu nome, aí você não precisará olhar para o rosto infeliz da sua esposa. É verdade que também não poderá usufruir dos bens que o senhor adquiriu de tantas maneiras, nem poderá se encontrar com aquela gostosa que o senhor anda comendo no apartamento cedido pela Casa. Falando nisso, o senhor não se sente um mentiroso tendo que usar aquele remedinho azul pra dar conta do recado? Já pensou que de uma hora outra aquilo pode fazer seu coração explodir? Bobagem a minha ficar falando em se sentir mentiroso, afinal, você já incorporou este papel há tanto tempo que já se viciou. Como qualquer atorzinho de quinta que interpreta o mesmo tipo de papel porque não sabe fazer outro.
- Eu não quero saber quem você é, mas...
- E não saberá mesmo, fique tranqüilo. Acho que o senhor deveria me considerar um amigo de lhe dar a opção de permanecer aí, quieto, sem ter que atender telefone celular - já que ele não tem sinal, como deve ter percebido -, não ter que se defender de acusações, não ter que fingir mais. Um amigo como eu o senhor não encontra todos os dias. Seu escroto. Fique aí trancado com sua própria merda, assim não precisará nunca saber como é o rosto das pessoas que te elegem, não precisará mais dar um churrasquinho pros líderes comunitários que empurram seu nome goela abaixo daquele pessoal que acredita que o senhor fará alguma coisa por eles.
- ...escuta, eu sei que já fiz coisas não muito dignas, me tire daqui e poderemos conversar, o que você precisa, meu filho? Eu posso arranjar um bom emprego, e for o caso.
- Como o emprego que seu filho tem no gabinete? Quer dizer, não posso chamar de emprego e sim de mesada porque aquele molequinho nunca apareceu aqui, mas o contra-cheque aparece todo mês na conta dele. Não quero emprego, não quero vantagem nenhuma. Eu quero apenas que o senhor continue aí e reflita.
- Meu filho, eu digo com seriedade, sofro de claustrofobia, estou ficando sufocado aqui, meu filho, me acuda!
- O senhor vai morrer! - o homem se dirige à porta de saída.
- Não faça isso! Socorro! - grita o deputado.
Outros passos, o homem retorna:
- O senhor vai morrer. Não será hoje, nem por minha conta. E enquanto a morte não chega - barulho da porta se destrancando -, vá pensando o que fazer da vida.

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