Naquele dia, eu brinquei no Paraíso.

Lembro-me como se fosse hoje, era um dia de Julho, beirando Agosto, acordei cedo e num pulo. Prestei atenção aos barulhos da casa, não havia barulho. Fui ao banheiro e escovei lentamente meus dentes. Quando desci as escadas me deparei com tios e tias, meu pai e minha mãe. Todos cabisbaixos e quietos, como minha audição anterior havia percebido. Ausência também é algo que se percebe.
Ainda estranhando, cumprimentei a todos, que me responderam com abraços longos e ternos, estranhei aquilo, assim como estranhei os olhos inchados que tinham todos eles. De repente, como se não pudesse ais sufocar um desejo, minha tia começou a chorar e, neste instante, minha mãe pegou-me pela mão e me levou até a cozinha.
- Filho, aconteceu uma coisa.
- Quem morreu? - eu não sei porque fiz aquela pergunta, nem havia pensado qualquer coisa assim, após ter deixado as palavras fugirem da boca me espantei, minha mãe também.
- Você sabe que o vovô não estava muito bem... - fez uma pausa, olhou para cima e continuou - ligaram para tia Márcia do hospital e o vovô faleceu.
As lágrimas começaram a brotar lentamente de seus olhos, seus olhos verdes ficaram ainda mais bonitos com aquela película aquosa sobre eles, as lágrimas começaram a desenhar uma pequena trilha por sobre sua pele e eu não conseguia parar de olhar para aqueles olhos tristes que ela tinha. Me abraçou fortemente enquanto tentava decifrar na minha cabeça o significado de "o vovô faleceu". Porque eu não tinha como saber o que era o vovô morto, as recordações que tinha dele, e que pululavam na minha frente, eram de um homem alto, muito alto, com um sorriso franco e uma gargalhada boa de se ouvir. Um homem forte que me colocava em seus ombros e andava comigo pra lá e pra cá, que encaixa a minhoca no meu anzol e me ajuda a tirar o peixe da água, o único homem que eu vi dando ordens para meu pai.
Minha mãe me olhou profundamente e disse que eu podia chorar, que fazia bem. Mas eu não queria chorar, eu não tinha motivo pra chorar. Com tantas coisas boas na minha cabeça, eu não tinha como chorar. Não senti tristeza nenhuma naquele dia em que todos estavam tristes, eu não entendia porque estavam tristes. Talvez porque pensavam em coisas ruins que aconteceram com vovô, mas eu não tinha isso pra pensar. Apenas coisas boas.
O velório e o enterro foram naquela tarde, mas eu não fui. Uma vizinha ficou cuidando de mim. Meu pai achou que assim era melhor, "ele é muito novo", ouvi ele dizer pra minha mãe. Como num Sábado qualquer eu brinquei com meus amigos, sem comentar nada a respeito, e voltei pra casa com fome e cansado de tanto brincar. A vizinha me preparou um sanduíche e depois eu dormi no sofá da sala. Foi quando eu tive o melhor sonho da minha vida.
Sonhei que andava no ombro do vovô e ele me levava para passear pela cidade inteira sem se cansar, depois fomos pescar, jogamos futebol, pião, empinamos pipa. Fizemos tudo o que gostávamos de fazer, tudo no mesmo dia. Quando escureceu ele me pegou pelo braço e disse que ia me deixar em casa porque precisava voltar.
- Voltar pra onde vovô.
- Pra onde estou morando agora.
- Eu posso ir junto?
- Não precisa, você estará sempre lá comigo.

Eu nunca mais vi meu vô e mesmo assim via-o todos os dias, como ele havia dito: ele nunca deixou de estar do meu lado.

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