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Mostrando postagens de janeiro, 2008

O cheiro do ralo

Se a esperança fosse um túnel, o desespero deveria vir antes desse túnel começar e não quando ele termina. Só assim pra esperança ser a última a morrer. Nada mais desesperador que uma vida sem sentido, um amontoado de dias que se sucedem sem nexo entre eles e sem consequências também. Era aí que deveria entrar a esperança e fazer o sujeito se apegar às menores coisas que existem pra fazer com que sua vida começasse a fazer sentido. Sem grandes planos, sem projetos mirabulosos, nada disso... uma coisa pequena, começar por uma coisa pequena é o melhor começo. Um sorriso, um aceno, um cheiro. O cheiro de ralo é um filme sobre a estranheza de uma vida sem sentido e como alguém que vive (ou deixa de viver) dessa forma é. Uma peça descartável de um tabuleiro velho. Mas há o túnel e, antes do túnel, o desespero. Desespero que transforma o cheiro de um ralo na peça fundamental para o funcionamento de uma Vida, que poderia ser muito bem a minha ou a sua Vida. Não é. É algo além. O túnel, o chei

Nada mudou. Só eu.

Você já encontrou, por acaso, um amigo de 1 milhão de anos, aquele amigão pra toda obra, sentam-se para tomar uma cerveja e começam a conversar sobre como anda a vida de cada um. Você vai relembrando como era legal os papos com ele, a afinidade gigantesca... e aí, depois de meia hora de conversa percebe-se que aquele amigão ficou lá pra trás, o cara que está ali na sua frente não é nada daquilo, é um outro. Um chato. E o cara pode até pensar o mesmo de você. Os outros não mudam, nós é que mudamos. As necessidades, os anseios, as conquistas, as derrotas, esses e outros mil fatores é que vão nos moldando com o decorrer da vida. E as conquistas e necessidades e etc são diferentes porque as pessoas são diferentes. Nessa hora é dada uma conclusão óbvia e chocante: nada é como costumava ser. E isso pode ser muito bom, um sinal de amadurecimento. Estranho seria ter as mesmas ansiedades de quando se tinha 15 anos, mas tendo 30. Hoje eu voltei ao trabalho e aconteceu isso: eu não me encaix

O Deficiente e o mercado de trabalho

O mercado de trabalho é alvo de inúmeros estudos e temática para muitas redações para quem está procurando emprego. Está quase sempre no centro das atenções, afinal, sem trabalho, sem dinheiro. Eu faço parte desse bolo, ingrediente fundamental para crescer as estatísticas. No momento, estou nas estatísticas dos empregados com carteira assinada. Amanhã, quem sabe? Mas eu estava à parte desse mercado e do meu trabalho por motivos já ditos antes, agora deixo de mamar nas tetas gordas do tio Lula e volta à labuta, ganhar dinheiro suado. Quase tudo como era antes, quase. Após o mundo dar tantas voltas e eu ir pro mundo dos mortos e voltar pro mundo dos vivos, estou oficialmente classificado pela junta médica que me avalia como um deficiente físico (assunto que já abordei antes também). Um deficiente que está doido pra mudar de emprego. O deficiente, seja qual for sua deficiência, é um ente na sociedade que carece de algumas atenções para sua vida prosseguir como a de qualquer outro. Por

Jovem demais para a bocha, velho demais para PS2

Os tempos modernos fizeram uma verdadeira revolução na cronologia das pessoas. Antes, pra não dizer antigamente, era até fácil classificar as pessoas pela idade: criança, jovem, adulto... bastava ver os seus hábitos. Criança = brincar; jovem = zoar e adulto = trabalhar. Esqueça! Não é mais assim, essas "etapas" estão mais embaralhadas que o trânsito de São Paulo. Ser criança parece algo que deixou de existir ou que se perpetuou pelos outros estágios. O jovem quer ser adulto e o adulto nunca foi mais jovem. E algo que contribuiu e muito para que o fenômeno " adultescente " vigorasse foi o advento da cirurgia plástica, a fonte da juventude na ponta de um bisturi. Outro dia mesmo, conversava com um amigo que disse: "Cara, fui numa balada e conheci duas mina, tomei o maior susto quando descobri que eram mãe e filha. O pior é que a mãe tava mais inteira que a filha!" É, tem garota que não leva namoradinho pra casa com medo de ser roubada pela mãe. Os hom

Relembrança

Meus olhos estão distantes e ainda assim só consigo enxergar você. Você que me apareceu num dia comum, estes da semana, durante o trabalho. Sim, durante o trabalho que eu te vi: olhos e sorrisos. Desde então quis tê-la para mim, só para mim. Egoísta assim, te ter pra te cuidar, te beijar e tocar. Te ter para descobrir teus paraísos profanos, teus sussurros urbanos e segredos sagrados. Experimentar da tua saliva, dos teus fluídos. Depois daquele dia comum, durante o trabalho, em que houve a sua aparição eu também quis ter um pouco de sagrado e de profano dentro de mim, no corpo e na alma. Novas sensações talhadas em mim, desejo de te falar, de te ouvir e de nos ver calados, sorriso tímido fotografado em nossos rostos. E agora. Agora divides comigo o brilho da estrela solitária que vive neste céu que colorimos com giz de cera. E digo-te agora: Vem e divide comigo esta fruta suculenta que começamos a morder. Nunca nos saciando desta fome que teima em nos devorar. Deitados um no outro, ol

Hein!?

Faz um tempão que não escrevo nada aqui além de invenções. Seria falta de criatividade na Vida? Não...vou dizer que não, tenho escrito história de mentira para aprimorar as minhas mentiras. Hein!? É isso mesmo. Contando um conto aumento um ponto (ou um pouco?) e vou indo nessa de escritor. Acho que todo cara que queria escrever como profissão começou assim, de bobeira, de besteira. Quem sabe pra preencher um espaço em branco da sua própria Vida. Mentirosos, isso o que são, esses escritores. É por isso que vou escrevendo por aqui e contando esse monte de mentiras que tem gente que ainda lê. Lê e acredita! Como se acreditar fizesse parte de uma mentira.

Na quitanda havia Mandiopan

Alberto desceu do carro. Confuso pelo calor e por estar perdido mesmo. Segurava na mão um pedaço de papel desenhado com o mapa que deveria levá-lo ao sítio onde o casamento de um amigo estava por acontecer. Mas, em algumas das curvas, perdeu-se. Já estava há uma boa meia hora andando com o carro sem haver nenhum sinal de sítio ou civilização, apenas a estrada de terra e o mato ao redor, até que avistou uma pequena venda, quitanda, como costumava chamar. - Boa tarde. - disse para o homem atrás do balcão. Era gordo, alto e usava um bigode que lhe escondia os lábios. A camiseta deveria ser branca, estava com pontos de diferentes cores. Cada ponto uma sujeira diferente. - Boa.- respondeu o homem, voz seca. - Por acaso o senhor sabe como chego no sítio Alavares? O homem, que estava passando pano no balcão, parou, olhou para o teto e coçou o queixo: - Alavares... sei não senhor... mas digo que o que tem de casa mais perto daqui num raio de uns 10km é só a minha casa, aqui atrás da ven

Há uma nova beleza

Uma nova beleza que, de tão bela, espanta à primeira vista. Essa beleza foge da regra e não é feita por cores, olhos, sabores, é uma beleza encravada no ar, muda conforme o vento. Nunca deixando de ser bela. A beleza é feminina, dança solta. Cala e faz calar. Estarrece e faz desacreditar aqueles que acreditam. Dos poetas que a conheceram todos ficaram enlouquecidos ou abandonaram a pena, não tinham mais coragem de escrever pois não conseguiram transpor em palavras a maior musa que tiveram. Vã também a tentativa de outros artistas, pintores, escultores, como uma obra de magia, a beleza não pode ser reproduzida. E só por isso a beleza continua viva, vive livre por sua sina ser irresistível e indomável. Todos a querem e ninguém a terá. A beleza se compraz nessa sina. Sabe que isso não poderá mudar. Mas isso não impede que ela ao se deitar olhe-se enlaçada com uma outra beleza como a sua, dividindo a sina de ser perfeita.

Troque o calendário da parede

Peguei o calendário do ano que se foi, 2007, de Janeiro a Dezembro, folheei os meses com o desdém de quem já havia superado tudo aquilo. Alguns dias circulados com caneta, alguma anotação em letras miúdas, desenhos sem nexo nas bordas, talvez resquícios de uma conversa no telefone. Os aniversários poderiam ser já aproveitados para a folha nova que penduraria na parede, mas outras datas circuladas não. Foram únicas. Como o dia 17 de Outubro, dia de vacinação. Ou 20 de Abril, uma prova importante. Pode calhar de neste 20 de Abril também haver uma prova, não é certo. Certo mesmo é que 16 de Maio será novamente aniversário de quem amo. Tantos dias e olhando daquele jeito parecia que a grande maioria fora um tanto insignificante, ou melhor, comum. Um dia sem nada de extraordinário, ali, misturado aos outros, perdido numa multidão de 365. Daí bateu um aperto no peito: que fazer para tornar mais especiais meus dias? Não quero arrancar a folha de 2008 com esse nó que ata minha garganta, o a