Um passo a mais




 Estou lendo uma coletânea de contos compilada por Neil Gaiman e outros autores chamado "Seres Mágicos & Histórias Sombrias", estou quase terminando e recomendo a leitura, pois no Prefácio, Neil Gaiman fala um pouco sobre o que faz uma história ser boa e a ideia da coletânea é trazer história boas.
 Gaiman diz que uma história é boa quando instiga o leitor a se perguntar constantemente: "O que acontece depois...", parando pra pensar, de forma muito objetiva, é isso mesmo. Uma boa história faz com que nós, leitores ou telespectadores, fiquemos grudados nas palavras, na poltrona, na cadeira, sem perceber o tempo passar para que nossa constante pergunta: "o que acontece depois", seja respondida.
 Dos livros que li, talvez o que me fez essa pergunta gritar dentro da minha cabeça foi O Código Da Vinci, de Dan Brown. Eu nunca fui muito ligado em literatura de investigação etc., mas as referências e conecções usadas nesse livro fizeram minha cabeça ferver. Até atrasado para o trabalho eu fui por causa dele. Por isso eu o li tão rápido, para os meus parâmetros. Em 4 dias.
 E estava eu lendo um dos contos da coletânea, inclusive um dos mais longos de todo livro. A história anterior tinha sido curta e intensa, como um conto deve ser, mas a concepção do "conto" dentro da literatura brasileira é um pouco diferente do que acontece na literatura americana, eu vejo. Para eles é mais uma questão de ser uma "short story", enfim, papo para outra postagem.
Bom, a história, chamada "O terapeuta", começou muito fria, uma explicação meio científica para um tema meio abstrato e sem muito nexo, ao meu ver. Eu tenho uma meta de livros a ler no ano e esse livro iria demandar um bom tempo do meu mês, vendo que a leitura estava meio arrastada e o tema não me interessava nem um pouco, pensei em pular aquele conto. Sim, isso é burlar, de certa forma, mas eu estaria propenso a aceitar a falha.
 Porém, decidi suspirar e tentar passar o mais breve possível por aquele terapeuta e sua história sem graça. Tampando o nariz para não sentir o gosto ruim daquilo, sabe?

E, então, a mágica aconteceu.

De forma sutil, o texto mudou sua perspectiva narrativa, deixando de lado todo aquele papo teórico (que depois fez total sentido) e passou a focar na narração da história e então eu passei bem rápido pelo conto, mas devorando as páginas como se tivessem servido um banquete a um faminto. As páginas fluíram e a história ganhou contornos tão diversos e plot twists tão legais e criativos que me fizeram pensar para além do texto, do livro e avançar pela vida.

 Eu estava a três segundos de deixar passar uma das histórias mais legais que li, ao menos esse ano. Motivos para isso eu tinha: falta de interesse, texto enfadonho, prazo curto. Como acontece na vida além das páginas, não é?
 Pensei que na vida, por vezes passamos por algo assim. Pensa em um projeto que você tenha, um sonho a ser realizado. Você está decidido a cumprir, a realizar, há energia para realizar. Mas com o tempo começam a surgir questionamentos sobre aquilo, pesar se vale a pena ou não. Perda de tempo ou não... a convicção pode falhar e uma rachadura se abre na superfície concreta do objetivo. Aí, a vontade de desistir, pensar que já perdeu seu tempo e não vale a pena perder mais. Estancar a sangria e ficar com o saldo menos negativo.

Quem já passou por isso?

Nessas horas, cada um sabe o que pesa mais para a decisão final. E não acho que seja certo ou errado, cada um sabe onde lhe aperta o calo, até onde consegue ficar em apneia para adentrar numa caverna submersa. O que aprendi com "O terapeuta" é que se você tem um propósito, no meu caso ler o livro inteiro, quando chegamos nos momentos mais difíceis (uma história enfadonha), vale a pena olhar adiante para seguir. O caminho para atingir um objetivo varia, assim como varia a forma de caminhar. Algumas vezes, olhamos para a paisagem, descobrindo novas delícias para os olhos, contemplando o horizonte; outras precisamos estar atentos aos detalhes, caminhar devagar e com cautela, olhando para cada metro avançado. 
 Nessa história eu quis passar batido pela estrada, só para chegar à próxima. De repente, eu me vi mergulhado nos detalhes, voltando páginas para reler e aumentar a tensão. 

E para realizar um sonho, concretizar um projeto? Vale a pena virar mais uma página e suportar um pouco mais de peso?

Eu digo que vale, sempre vale. Às vezes, estamos caminhando numa trilha tortuosa, numa noite sem fim. Abrimos mão e desistimos, sem saber que ficamos a  um passo de chegar no objetivo e viramos as costas antes de ver o Sol brilhar.

 Para quem se interessou, abaixo tem o livro do Dan Brown e do Neil Gaiman (não dele, vocês leram acima e entenderam).


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