Memórias presentes

A chuva sempre nos faz relembrar coisas; a solidão e chuva. Não diferente, era um fim de tarde em que a chuva caía mansa, podia acompanhar alguns pingos virando a cabeça para cima, vendo-as cair, cair...passavam por mim para acabarem molhando o chão embaixo. Tudo fica meio lento e azul nessas horas, um fio de fumaça do cigarro que vai fazendo contornos em coisas invisíveis, seguindo um caminho torto até desaparecer por completo, deixando apenas o seu cheiro no ar.
Gosto um pouco disso, da chuva e dessa solidão. Ficar quieto um pouco, a esposa levou as crianças para minha mãe e eu inventei uma dor de cabeça, ou dor no pé, não me lembro... para poder ficar assim um pouco, quieto e só.
Não esperava por essa chuva, pois ela traz pensamento às vezes indevidos à mente de quem está só, mesmo que por pouco tempo. Rostos e fatos do passado que fazem um sorriso aparecer, ou um sentimento enrustido de vergonha se aflorar, quando isso acontece, sei que faço uma careta de quem não aprova a própria atitude.
Tem outra forma de vagar, senão dentro de si? Calculo as possibilidades que não fecundaram e tenho a convicção de que tomei as ações mais corretas possíveis. Isso me dignifica e engrandece meu ego. Dos erros que cometi até este momento fica apenas a careta de reprovação quando me recordo, percebo que não foram tão graves os erros, não a ponto de sucumbirem os acertos, não a ponto de não ter volta ou conserto. Meio besta isso, sinto-me meio besta, vangloriando-me de minhas ações para mim mesmo, discutindo comigo que estive certo e, ao mesmo tempo, errado.
As gotas vão caindo, o horizonte é de um cinza lavado, vejo poucos pontos andando lá embaixo. Não sei porque, mas penso que é bom morar aqui em cima. Sou um dos primeiros a sentir a chuva chegar e ir, os raios de Sol chegam aqui primeiro, dá uma sensação de vitória, volta aquele orgulho contido, um outro sorriso surge meio escondido para não levantar suspeitas: nada pior que ser julgado de arrogante, presunçoso.
Não me afetam estas coisas, a certeza de dever cumprido é que me garantem a alegria de acordar todos os dias ao lado da mulher que amo e viver sem o medo de viver que está sempre a nos rondar. A jornada não foi fácil e está longe de estar completa mas, nestes momentos, em que, só, vejo a chuva cair lenta,lentamente e isso traz rostos e situações do passado é que tenho a convicção de que tudo valeu a pena.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O desmatamento e a coriza

Memento Mori

O poder transformador da leitura na sua vida - Razões para Ler