Dançando com o diabo


Eu estava quieto, na minha, como de costume. Olhava de canto para as pessoas que passavam aqui e ali, o som era muito alto e via-se muito pouco com as luzes estróbicas, cintilantes, coloridas, todos os tipos de luzes que não iluminam nada.
Encostei no balcão do bar, mas não pedi nada para beber. O bartender me olhou de um jeito que parecia misto de piedade e raiva, eu pensei que ele pudesse estar pensando: coitado do cara, um monte de gatinha dando sopa e nenhuma dando bola, fica aí com essa cara de bunda. Mas também deve ser um sujeito bem mole porque comigo não ia ser assim, eu parto pra luta e não me canso de ouvir não.
Com o outro sempre é sempre diferente e comigo sempre igual. É isso?
Mas não estava triste de estar ali, sozinho, quieto, na minha. Era assim que eu queria. Olhando apenas, o movimento, as pessoas, as luzes dore-cabeceantes. Foi quando cometi o erro de olhar para a porta recém aberta.
Seus olhos e os meus se fixaram.
A partir dali, como uma pequena maldição, a minha serenidade e contentamento se desfez, eu estava com uma necessidade incompreensível de fazer alguma coisa diferente, alguma coisa que pudesse me parecer proibida, ímpia.
O Diabo faz isso com quem lhe olha nos olhos, faz desamarrar a parte mais primitiva, instintiva da pessoa. E, depois de aberta essa caixa de Pandora pessoal, as coisas acontecem muito rapidamente, sem percepção. O desejo querendo se saciar com mais desejo.
Veio em minha direção, tocou meu braço, meu ombro, sussurrou qualquer coisa em meu ouvido, eu sabia que aquilo não era certo, se meter com o Diabo não foi uma das lições que aprendi nos anos de religião mal vividos e todo aquele papo de Inferno, queimação eterna, sofrimento, também não era aquilo que eu queria. O Diabo continuava ao meu lado, passava seus dedos pelo meu peito, pelo meu rosto, exalava um hálito perfumado e seu toque era delicado e macio, continuava a sussurrar coisas em meu ouvido que eu não conseguia entender.
Paralisado, completamente paralisado, meu corpo esta hipnotizado por aquela dança de dedos e sussurrar no ouvido, uma perna roçou a minha, senti um calor e um tesão descontroláveis, a vontade era de saciar o calor numa boca desconhecida, de lábios carnudos, apertar forte uma bunda durinha e chupar mamilos rijos, penetrar fundo, quente e molhado, meu desejo era de explodir numa cascata de esperma capaz de engravidar todas as mulheres do mundo.
"Quer dançar?"
Foi o que ouvi o Diabo me dizer, me olhou e sorriu de um jeito que só o Diabo pode fazer: anunciando a minha perdição. Eu sabia que se aceitasse e desse o primeiro passo naquela dança estaria consumado, nunca mais eu voltaria a ser quem eu costumava ser. Senti um frio na barriga, não de medo, de ansiedade.
Vi seu corpo se afastando entre os outros corpos que dançavam, se eu desse o primeiro passo seria o fim, ou um começo. Começo que não terminaria bem. Mesmo assim, sabendo de tudo isso, como criança que toca no fogo pela primeira vez, eu dei o primeiro passo.
E o segundo. E o terceiro. Cruzei um grupo de pessoas. Estava no meio do salão, apenas me aguardando de braços abertos para a próxima dança.
Abri também meus braços e fui.

Por sorte a música acabou.

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