São as águas de março

"É pau, é pedra, é o fim do caminho...". Quando Tom Jobim escreveu essa música tenho certeza que ele não havia associado às enchentes que, posteriormente, assolariam a cidade de São Paulo a cada chuva mais forte. O transbordamento de córregos e a maré alta de lixo invadindo casas, destruindo presentes e desacreditando futuros.
O pobre olha para cima num dia acinzentado e olha para baixo, para os poucos pertences que possui e quer acreditar que nada de ruim acontecerá ali, em seu pequeno espaço. Às vezes, não é o que acontece. Só que essa mesma pessoa não se lembra de olhar para os lados quando joga um lata de refrigerante janela afora do ônibus ou amassa e despreza um pedaço de papel qualquer. Nem ele e nem muitos milhões como ele. Que acontece então? Junte milhões de pequenos pedaços de papel escoando lentamente pelo bueiros da cidade, entupindo as bocas-de-lobo e toda a tubulação de esgoto da cidade... chegam as águas de Fevereiro, Abril, Julho, Dezembro... chegam as águas de Março e: "... é pau, é pedra, é o fim do caminho..."
Muita desgraça no mundo poderia ser evitada ou amenizada justamente pelos que são desgraçados. Criticar e lamentar a dor do próprio umbigo tornou-se atividade recorrente mas refletir sobre o que esse umbigo poderia fazer para evitar a dor. Bem, isso não é levado em consideração.
Março chegou, suas águas ainda não. Aliás, o calor tem sido infernal nestes tempos de mudança climática. Mas a chuva virá, estou certo. E quando isso acontecer, vamos nos lembrar que se não tivesse sido jogado aquele papel, aquela latinha, aquele sofá velho (!) na rua, não haveria o pau e a pedra invadindo a sala da casa de alguém. Não seria o fim do caminho.

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