Rápido e rasteiro

Tal qual uma cobra em fuga, eu me esquivava, sorrateira e rapidamente, pelas sombras daquela noite de Lua minguante. Sentia meu peito arfar, inflando o tecido da camiseta manchada de algo vermelho: sangue ou vinho tinto. Não dei-me conta de cheirar a mancha e descobrir, o medo paralisa muitos sentidos, quando não os aguça.
Olhava para trás buscando encontrar um vazio de noite, mas não era isso o que via. Os feixes de luz saindo das lanternas acesas vasculhavam canto a canto aquilo que poderia ser eu, o latido dos cães raivosos estupravam o silêncio, minha boca secava mais a cada passo. Pulei um muro de um jeito que sei que nunca mais faria, era o medo mais uma vez atuando em meu corpo.
Caí num matagal, corri para o que eu supunha ser o meio do lugar, abaixei e esperei. Logo em seguinda vieram os latidos e as vozes dos homens dizendo que eu só podia ter pulado o muro e outro dizendo que não havia como eu ter pulado um muro tão alto num salto só. Havia um impasse e uma certeza: como eu havia pulado o muro que, certamente, eu havia pulado. Começou o chiado de um rádio e o comando de darem a volta a fim de encontrarem entrada pelo terreno do outro lado enquanto um outro grupo permaneceria ali.
"Cercado!"Era a palavra que não desgrudava da minha cabeça, esfreguei as mãos suadas uma na outra com a esperança de que dali surgisse um nova e boa idéia. A rendição era o que me parecia mais lógico. Mas render-me por algo que não havia cometido era corromper a mim e a tudo o que havia aprendido até então.
Do outro lado de onde estava vinha o som de novas vozes e o ranger do que parecia um portão enferrujado. Haviam encontrado a entrada, estariam ali em pouco tempo, os cães e suas babas raivosas sedentos pela minha carne, os socos e pontapés que os homens me dariam. Ali seria o lugar propício para um execução. A minha morte.
Ergui um pouco a cabeça e vi brilhar algo à esquerda de onde estava, próximo a um dos lados do muro. Recomecei um caminhar sorrateiro, tomando cuidado de não fazer muito barulho. Cheguei ao lugar que me havia chamado a atenção e não acreditei no que vi. "Milagres realmente acontecem". Sorri e peguei nas mãos aquilo que seria minha salvação.
O alívio que senti foi o maior prazer que tive em toda minha vida.

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