Preto no Branco

Estava no banheiro hoje quando ouvi uma reportagem no Jornal Nacional sobre a tramitação do "Estatuto da Igualdade Racial" no Congresso Nacional. Pelo que ouvi, este Estatuto, de autoria de Paulo Paim (PT-RS) - que é um dos poucos políticos que acredito ultimamente - determina uma série de medidas com a finalidade de promover igualdade para os negros em diversas áreas, principalmente no que diz respeito ao trabalho e educação.
Desde a implementação de cotas para Universidades que este tema está em debate. É uma questão delicada esta de cotas, por um lado é o meio mais rápido para prover ao negro a oportunidade de ter vez na Educação e, mais amplamente, a uma oportunidade de trabalho com melhores salários e cargos; por outro lado, da forma que a questão é tratada parece ser uma muleta para o "pobre pretinho" que não tem oportunidade. O que se esquecem de dizer junto às reportagens que abordam estas questões é que se há esta necessidade é porque o negro quando foi liberto da escravidão lá em 18... saiu da senzala para jazer nas ruas das cidades. OU você acha que o negro saiu da senzala e foi contratado para trabalhar e ganhar salário?
O que se tem hoje é o reflexo de uma política de exclusão que dura séculos, não se pode tratar esta questão pensando apenas no presente. O buraco é mais embaixo, é mais fundo e bem mais sujo que se pensa.
Minhas raízes são negras, européias e indígenas - como grande parte da população. Tive a oportunidade de ter excelente educação por meus pais terem se esforçado em busca de uma melhor vida. Aprendi que é batalhando que se consegue e é esta lição que carregarei em meu DNA e que será repassada a meus filhos (se os tiver).
Eu sei, o discurso é bonito, mas não se aplica à criança que nasce numa favela, morando num barraco à beira de um corrégo, à mercê da própria vida pois seus pais sequer sabem que ele existe, ou até mesmo para quem tem uma família de recurso escasso mas que se dedica em dar um bom exemplo ao filho, só não pode pagar escola particular para o filho estudar numa Universidade Pública. Mas esta é a verdade. Esta política de cotas é um meio que o Estado encontrou para "compensar" os séculos de abuso da mão-de-obra escrava e que, depois de terem usado até o bagaço, deixou os negros à parte da sociedade, pois sem dinheiro e sem qualquer reconhecimento social, negro é igual cachoro vira-lata.
As coisas mudaram um pouco, negros começaram a ascender na pirâmide social, surgiram produtos voltados para os negros, revistas para os negros, blablabla para os negros. Acho isso positivo por ser um reflexo de uma mudança social, mudança ínfima se comprada à população negra no Brasil (quase 50%), mas é um avanço.
Ainda fico dividido em apoiar ou não estes sistemas que preveêm cotas para negro estudar e trabalhar, como disse, é perigoso. Exemplo: criar cota de negros para filmagens para propaganda, filmes, etc? Sim, o Estatuto tem em seu conteúdo esta determinação, mas peralá, isto já vai além da igualdade racial, influencia também a liberdade artística. Quer dizer que se um cara montar uma peça que se passa na Escandinávia, o que fazer? Inserir um negro na história, o que ficaria fora de contexto, ou encher o crioulo de pó-de-arroz e botar uma peruca lisa e loira na sua cabeça?
São estes exageros que me preocupam.
A busca pela igualdade é necessária, certamente é. O caminho correto que seria o de melhorar e proporcionar acesso a serviços básico como Educação e Saúde, cito estes dois mas a gama é muito maior, é um caminho longo e, do jeito que as coisas vão, longo demais. Então, busca-se este remédio. Acho apenas que deve-se ter cuidado, o remédio, no fim das contas, pode ser um placebo. Sem a mudança de um pensamento, não se muda uma sociedade.
A dica musical é The Velvet Underground & Nico, o disco com a clássica capa da banana. A produção é tosca mas as músicas são de tal beleza e agressividade simultâneas que merece a posição de cult album que tem.

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