Seja mais criativo - Deixe a criança brincar


 

 Eu deveria ter vergonha de admitir o que vou dizer agora? Deveria ter vergonha de dizer que nunca brinquei na chuva quando criança?

 Meu amigo, aquele que venho mencionando, riu de mim e disse que sim, eu deveria ter. Ele me disse isso ao telefone, depois de ouvir eu dizer que nunca tinha brincado na chuva. "Então vamos consertar agora esse erro!" Nem tive tempo de negar. Parecia que eu ainda estava ouvindo o tum-tum-tum do telefone quando ele tocou a campainha. Olhei pela janela e ele estava ensopado, pés descalços, bermuda de surfista e camiseta regata.

"Vem!" gritou. Eu olhei pra dentro de casa, a tempetura ideal, meu corpo e minha roupa sequinhas, minha esposa perguntando quem era, sem interesse, deixando de lado seu livro. Mordisquei o lábio inferior, olhei de novo pro meu amigo plantado em frente de casa, atrás dele a chuva caindo leve.

"Ok!"

Troquei de roupa e fui. 

"Que faço agora?", perguntei como um novato, o frio escorrendo pelo corpo em cada uma das gotas finas que já tinham me molhado por inteiro, olhando para dentro de casa, arrependido de ter deixado o conforto da temperatura controlada. Eu nem terminei a pergunta e ele jogou no meu rosto um punhado de água que juntou. Meus olhos arderam e quis xingar, quando abri a boca, outra  tromba de água me engasgou. Pensei em doenças, leptospirose, hanseníase, febre, cama.

"Se tiver medo da chuva, como vai vencer na vida?", me perguntou rindo e erguendo a cara pro céu, deixando a chuva cair. "Vamos!", me chamou.

Pela chuva corremos pela rua até a quadra de esportes que ficava perto. Lá, uns moleques jogavam futebol com uma bola invisível. Meu amigo chegou pedindo para jogar e os moleques olharam pros marmanjos e depois se entreolharam rindo. O sim deles veio em forma de um carrinho que meu amigo tomou por trás e aí entendi a brincadeira.

Ficamos correndo uns atrás dos outros, imaginado jogadas incríveis, passes fenomenais, dribles fantásticos e os zagueiros vinham a toda e escorregavam pelo chão, cruzado poças, levantando água pra todo lado, pra pegar uma perna e jogar pro lado a bola que não iria pro gol.

Nos primeiros tombos eu conservei um pouco de raiva que usei para me vingar em carrinhos lindos, meu corpo deslizando pelo concreto duro, esfolando a bermuda, tomando água na cara e jogando pra longe a bola imaginária. Depois já tínhamos largado a bola e a diversão era correr e se jogar de peixinho, ora resvalando em pequenas pedras, machucando um cotovelo ou um joelho. Não importava, a água já varria pra longe o filete avermelhado de sangue e a chuva já estava mais quente que em casa há muito tempo.

 Em certo ponto, entre uma trombada e outra com os moleques, percebi que meu amigo tinha partido, assim como a chuva. Quando restavam apenas as gotas que caíam acumuladas das folhas das árvores, voltei tranquilo para casa, a bermuda rasgada, a camiseta de uma cor que não era a mesma de quando havia saído.

Minha esposa não acreditou no que viu quando cheguei, ordenou que eu aguardasse até pegar uma toalha para eu me enxugar.

Depois, ligou meu amigo. "Gostou?", perguntei. "Sim, foi muito bom!" Ele me disse que o que eu tinha feito era dar voz para minha criança interior, que depois que crescemos acabamos por soterrar dentro da vida adulta.

"Cara, nunca deixe sua criança apagada. Ela dá conselhos incríveis, ela te torna mais criativo! Você lembra de quantas brincadeiras você podia inventar usando quase nada? Com dois bonecos na mão fazia um exército e uma guerra. Lembra? Pois é, a gente quando é criança não tem medo de usar a imaginação, não se cansa se ser criativo. Aí vamos ganhando idade e o homem vai falando que temos que ser racionais, usar a lógica, parar de brincar para encarar a vida de frente."

Sim, crescemos e ganhamos umas responsabilidades que a criança não tem, mas não podemos parar de brincar, isso é o que dá cor pra vida. Uma vida cinza não é engraçada, não é divertida, não é criativa.

Deixe a criança aí de dentro surgir e colorir um pouco seus dias. Se você quer ser criativo, a sua criança irá lhe ensinar muito. Nossa criança não se preocupa muito com o erro, nem com o acerto, ela só quer viver, experimentar. 

Se você está com dificuldade de encontrar sua criança, o livro abaixo vai ajudar a destrancar a porta em que você a trancou. 

Abra os braços, aceite-a e voe!


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