Azaléia
Azaléia poderia ser uma flor, como uma das flores que adornavam um canteiro na casa minha avó. Mas Azaléia era o nome de uma moça que limpava algumas casas no condomínio em que morei quando pequeno, dentre elas a minha.
Lembro-me de Azaléia sempre sorrindo um sorriso amarelo dos cigarros que fumava na rua, em frente à casa em que estivesse trabalhando. Entre um cômodo limpo e outro, ia Azaléia fumar seu cigarro. Sorria e cantava, usava o cabo de vassoura como microfone e na cantava em bom tom as músicas que tocavam na rádio. Se fossem em inglês, apenas dublava. Dizia que tinha até medo de falar as coisas que os gringos estavam cantando, mesmo sem ter idéia do que estivessem dizendo.
Era era bem branca, com o cabelo crespo bem apertado e amarrado que davam num rabo de cavalo minúsculo. Falava de um jeito engraçado, desafinava a voz a cada cinco palavras, pensava sempre numa corneta desafinada quando a ouvia falar, principalmente quando estava brava com alguma coisa. E como falava aquela mulher. Juntava-se com mais duas ou três que também faziam serviços nas casas vizinhas e - na parada pra baixar a comida -, como ela dizia, sentava com as pernas abertas na calçada e ficava de papo com as outras. Se quisesse saber das maiores fofocas do bairro, ali era o lugar de descobrir.
Foi ouvindo uma de suas conversas que descobri que o Pedro, pai do Carlos, nosso vizinho de frente, não estava viajando, como todos falavam. Estava preso porque tinha sido pego fazendo levando droga de um lugar para outro. E o Carlos, depois disso, nunca mais saiu na rua. Uns meses depois ele se mudou com a mãe e nunca mais soube dele.
Depois que papeava, ela voltava pra tarefa, gostava de me botar pra trabalhar também quando era época de férias e eu ficava em casa. Mandava uma passar um pano na estante, tirar o lixo dos banheiros e até me fez lavar a privada uma vez, mas não gostei daquilo e nunca mais repeti. Das outras coisas eu até não me importava e, quando perdia a graça eu ia pra rua brincar com os moleques.
De propósito, eu chegava sujo, com lama no tênis e ia me arrastando pela sala, ela via aquela bagunça e gritava: "Muleque, que eu acabei de limpar esse chão da desgrama e ocê me faz uma dessas, ai que eu te pego!" A frase saía como uma sinfonia desafinada. Eu achava graça, ia pro banho e depois, quando descia de novo, ela já tinha limpado tudo de novo e estava atracada na vassoura, sendo a Maria Bethânia.
Ontem, enquanto visitava uma tia ela perguntou: Lembra da Azaléia? Azaléia estava com quarenta e três anos e foi morta pelo marido, o João, que era um pedreiro também conhecido no bairro, disseram que ele chegou bêbado em casa e quis pega-la a força. A mulher, brava e forte, como sempre foi não quis, os dois discutiram e ele pegou uma faca na cozinha e furou sua carne toda. Ele foi preso e ela foi enterrada num cimitério do interior.
Saber da morte de Azaléia me deu uma tristeza e uma saudade... tinham sido bons aqueles tempos de menino, tempo em que cantar era mais que remédio, era ser uma pouco mais feliz.
Lembro-me de Azaléia sempre sorrindo um sorriso amarelo dos cigarros que fumava na rua, em frente à casa em que estivesse trabalhando. Entre um cômodo limpo e outro, ia Azaléia fumar seu cigarro. Sorria e cantava, usava o cabo de vassoura como microfone e na cantava em bom tom as músicas que tocavam na rádio. Se fossem em inglês, apenas dublava. Dizia que tinha até medo de falar as coisas que os gringos estavam cantando, mesmo sem ter idéia do que estivessem dizendo.
Era era bem branca, com o cabelo crespo bem apertado e amarrado que davam num rabo de cavalo minúsculo. Falava de um jeito engraçado, desafinava a voz a cada cinco palavras, pensava sempre numa corneta desafinada quando a ouvia falar, principalmente quando estava brava com alguma coisa. E como falava aquela mulher. Juntava-se com mais duas ou três que também faziam serviços nas casas vizinhas e - na parada pra baixar a comida -, como ela dizia, sentava com as pernas abertas na calçada e ficava de papo com as outras. Se quisesse saber das maiores fofocas do bairro, ali era o lugar de descobrir.
Foi ouvindo uma de suas conversas que descobri que o Pedro, pai do Carlos, nosso vizinho de frente, não estava viajando, como todos falavam. Estava preso porque tinha sido pego fazendo levando droga de um lugar para outro. E o Carlos, depois disso, nunca mais saiu na rua. Uns meses depois ele se mudou com a mãe e nunca mais soube dele.
Depois que papeava, ela voltava pra tarefa, gostava de me botar pra trabalhar também quando era época de férias e eu ficava em casa. Mandava uma passar um pano na estante, tirar o lixo dos banheiros e até me fez lavar a privada uma vez, mas não gostei daquilo e nunca mais repeti. Das outras coisas eu até não me importava e, quando perdia a graça eu ia pra rua brincar com os moleques.
De propósito, eu chegava sujo, com lama no tênis e ia me arrastando pela sala, ela via aquela bagunça e gritava: "Muleque, que eu acabei de limpar esse chão da desgrama e ocê me faz uma dessas, ai que eu te pego!" A frase saía como uma sinfonia desafinada. Eu achava graça, ia pro banho e depois, quando descia de novo, ela já tinha limpado tudo de novo e estava atracada na vassoura, sendo a Maria Bethânia.
Ontem, enquanto visitava uma tia ela perguntou: Lembra da Azaléia? Azaléia estava com quarenta e três anos e foi morta pelo marido, o João, que era um pedreiro também conhecido no bairro, disseram que ele chegou bêbado em casa e quis pega-la a força. A mulher, brava e forte, como sempre foi não quis, os dois discutiram e ele pegou uma faca na cozinha e furou sua carne toda. Ele foi preso e ela foi enterrada num cimitério do interior.
Saber da morte de Azaléia me deu uma tristeza e uma saudade... tinham sido bons aqueles tempos de menino, tempo em que cantar era mais que remédio, era ser uma pouco mais feliz.
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