Sem Maria

Não sei quanto tempo fazia que estava ali, sei que quando despertei daquele torpor meu corpo estava adormecido ainda, não conseguia mexer braços nem pernas. Por isso, permaneci naquela posição e adormeci. Já era a terceira noite seguida que isso acontecia.
Depois que Maria fugiu as coisas perderam o sentido, eu perdi o sentido também. Dormia mais que acordava. Fome, não sentia. Sede, a saliva me satisfazia. Sem Maria, o apartamento não era o mesmo, a falta do seu barulho me doía os ouvidos, não havia mais ela vindo pelo corredor com seu andar calculado e fino, me hipnotizava cada passo que dava em minha direção.
Longos dias eram aqueles sem Maria, o Sol e a Lua pareciam se arrastar, assim como minha ação involuntária de respirar. Não deveria ser assim, estivemos juntos pelo tempo suficiente para que eu quisesse dela a companhia até a hora de morrer e ela me abandonou, saiu não sei por onde, não sei com quem. Quando ouço algum mínimo barulho no corredor, fico atento com a esperança de que seja ela, deixo então a porta da frente destrancada para que ela tenha menos obstáculos em seu retorno...

Se não voltar, se não vier, estará tudo consumado e eu confirmarei que o destino não pode ser mudado: depois da juventude solitária, a tentativa de tornar minha velhice menos solitária. Mas a solidão parece o tapete por onde anda meu destino e até a gata que comprei para passar os dias comigo me deixou.
Maria, minha ingrata siamesa, todo meu sentimento de ódio é pravocê!

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