A nuvem
Há uma nuvem cinza que paira sobre a cidade que não faz chover. Apenas observa ou vigia, uma sentinela silenciosa que usa seus olhos enviesados para causar medo, temor e espanto, apesar de não fazer pronunciamentos ou qualquer gesto que insinue sua intenção de provocar temor e insegurança.
Depois do tempo em que ela chegou até agora, depois de transformar manhãs e tardes em massa cinzenta, sem vida, acostumamo-nos. Acostumamo-nos com a vida sem sol e sem brilho, a areia nas praias estão mais claras, as águas na parte do oceano que beija o solo está mais limpa, o vento sopra constante e leva para todos os cantos a troca dos suspiros de quem ainda se lembra como era a vida e passa debruçado na janela a observar a falta de vida que passa diante dos olhos.
Ficamos assim e esperamos chegar a noite, acendemos nossas salas, assistimos a vida falsa vendida na tela brilhante que nos cega. Brilho, muito brilho. Ofuscados, rendemo-nos ao que nos é oferecido e aceitamos sem duvidar que o melhor da vida está disponível e cabe no limite do cartão.
Sorrio, fico feliz e ansioso até que receba a notificação, até que toquem o interfone, até que me interrompam para dizer que está disponível, sua alegria chegou.
Eu vou, corro, pego, assino, abro, vejo a caixa plastificada e brilhante, abro, sinto o cheiro, sinto o toque, ouço o som, admiro-me com a rapidez e, pouco depois, volto à janela. A nuvem paira, sentinela silenciosa, esconde o sol e oferece para mim uma lamentação que aceito enquanto vejo a rua vazia, a casa apagada, a luta vencida, a vida...
Traga-me a chuva!
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