Exercitando-se: Conto Policial - versão final

 



Agora vou colocar a versão final do texto. Como mencionei no post anterior, esse texto não teve tanta alteração na escrita, algumas inversões, correções ortográficas (sempre). Pouca coisa.

Trama
Julio Càêta`no
- Eu sabia que não era boa pessoa!
- Milena, nós já entendemos das outras setecentas vezes que você falou. - Pedro, seu irmão, a interrompeu.
- Desculpe, Pedro, se estou repetitiva. Talvez o fato de meu marido ter sido morto e minha filha estar sumida seja um bom motivo pra ficar nervosa! Que acha? Hã!? - avançou em direção ao irmão e lhe deu um tapa no rosto - Escroto!
- Milena! O que é isso? Essa foi a educação que seu pai e eu demos pra vocês? - a velha olhou sobre os óculos direto para os olhos da filha.
- Desculpe, mamãe.
A velha acariciou a cabeça do gato persa prostrado ao seu lado no sofá e voltou ao seu
tricô.
- Coitada… ela tá sabendo do Felipe? Do sumiço da Bela...essa tragédia toda? - Josias era um investigador conhecido da família e responsável pelo caso.
- Sabe Josias, mas você sabe como a mamãe ficou desde que o papai se foi… -
Milena falou desdenhosa.
- Já pensaram em uma casa de repouso, coisa assim? - sussurrou no ouvido da
mulher.
- Josias, da minha mãe cuido eu. Você tem que achar o desgraçado que matou meu
marido e sequestrou minha filha!
- Milena, estamos trabalhando nisso. Estamos procurando sua filha e o namorado para que possam nos ajudar a entender o caso.
- Não tem entendimento, Josias! O moleque é um pé rapado que fez a cabeça da minha filha e matou o Felipe por causa de dinheiro! Josias suspirou, puxou a caderneta do bolso e começou a fazer anotações.
- Que tanto anota aí, Josias? Deve estar anotando errado, senão já teria achado
minha filha.
- Milena, sente-se. Pedro, por favor, pegue um copo d'água pra sua irmã. Eu estou
aqui para ajudar. - falou de um jeito que cada palavra saiu quase em separação silábica, didática e monótona. Josias retomou suas anotações sobre a morte de Felipe Brandão.
O corpo foi encontrado caído no chão da cozinha. Pela forma que estava, indicava que ele estava sentado à mesa quando sofreu um golpe, vindo da esquerda para a direita, com um objeto perfuro-cortante que o acertou no pescoço, atravessando a traqueia. Segundo a Polícia Científica, que ainda averiguava o local, o golpe em si não seria mortal se o sangramento fosse contido, porém o corpo foi encontrado horas depois do ataque.
Naquela noite houve uma festa, cerca de vinte pessoas estiveram presentes, dessas, seis pessoas dormiram na casa: Felipe, o morto. Milena, a esposa e, agora, viúva. Isabela, a filha única. Ricardo,
namorado da filha. Pedro, o irmão de Milena. Dona Alcinda, a mãe de Milena. A festa, em comemoração ao aniversário de Felipe, acabou por volta das 2h da madrugada. Todos dormiram nos quartos do andar superior, exceto Dona Alcinda que por problemas nos quadris dormia num quarto no térreo. O horário em que Felipe desceu era incerto, Milena tinha excedido na bebida e dormiu num sono só até quase duas da tarde quando desceu para a cozinha e encontrou o marido morto. Pedro, sem condições para dirigir e negando-se a tomar um táxi, pernoitou num dos quartos de hóspedes, Milena
informou que antes mesmo dela dormir, ouviu os roncos do irmão vindo do quarto fechado.
Felipe colocou Ricardo no quarto de hóspedes mais distante do quarto da filha, Milena quem deu a ideia, assim acordariam caso o moleque cruzasse o corredor para fazer alguma brincadeira com a filha durante a madrugada. A fim de poupar o repouso da mãe, Milena acabou “incrementando” a dose do ansiolítico de dona Alcinda. Antes das 22h ela já havia se recolhido em seu quarto, acompanhada pelo seu gato.
O investigador continuou virando as páginas da caderneta e parou numa página em que nomes eram ligados por frases, ligadas a outros nomes, horários, tudo circulado e ligado por traços. Era a sua trama de suspeitos, uma metodologia que criou para visualizar os casos em que trabalhava.
Considerando a falta de álibis para as cinco pessoas que pernoitaram na casa, todos eram suspeitos.
A trama de Josias, pela proximidade com a família, não tinha a mesma serventia que em outros casos. Conhecia Isabela desde que mal andava, Felipe e Milena foram padrinhos de casamento, Pedro. Bem, Pedro era um bon vivant , parecia não se incomodar de viver às custas da família. O namorado de Bela era uma incógnita, tanto que Josias colocou um ponto de interrogação ao lado do nome em seu caderno. Além do fato de não ser conhecido do investigador, pesava contra o jovem o fato de já o terem visto em atitudes suspeitas dentro da casa, como uma vez em que pegou um rolex que estava na sala, Isabela disse que tinha pedido para ele pegar, queria mostrar...uma história confusa que acabou sendo abafada por Felipe.
O morto foi o tipo de pessoa que não tinha inimigos, atendia aos caprichos de todos à sua volta, sempre com um sorriso no rosto. “Pior do que encontrar o assassino de alguém com muitos inimigos, é achar o assassino de quem não tem inimigo algum”, pensou Josias olhando para as linhas e nomes em sua caderneta.
O dedo indicador começou a acompanhar cada linha, passando de nome a nome, a cena do crime, os vestígios, a maneira como foi morto. Um furo na garganta, uma dúzia de espetos na área da churrasqueira, todos com algum vestígio de sangue, - sim, tinham feito um churrasco - não houve discussão, sem histórico de agressões. O motivo… o motivo…
Josias repetia mentalmente a mesma palavra enquanto o indicador seguia as linhas do caderno… Pedro, o bon vivant , poderia estar cansado de viver às custas da família. Felipe já tinha feito seu testamento, Josias era o único que sabia disso, sabia também que o homem havia reservado uma considerável quantia para o cunhado - quem no mundo faz isso, senão um santo ou um louco? - Pedro poderia ter sabido disso de alguma forma, aí as coisas mudam de figura - o indicador voltou pelo caminho que ia e pousou sobre o nome de Pedro.
O telefone de Josias tocou, rompendo o silêncio nervoso que pairava sobre a sala.
- Josias. - atendeu seco.
Enquanto alguém falava do outro lado, ele virou as páginas da caderneta e começou a fazer anotações, apenas indicando com “ahãs” que estava ouvindo o que era dito.
- Certo, certo. Vocês já sabem o que fazer. Me mantenham informado.
- É Isabela, Josias? Alguma coisa? - Milena perguntou chorosa do sofá.
- Acabaram de verificar, o cartão dela foi usado para pagar uma corrida de táxi e compras em uma loja de conveniência. Ao que tudo indica, o destino foi Caraguatatuba.
- O Mirante, ela foi pra casa de Caraguá! - Pedro falou olhando para Milena. A mulher levantou-se de uma vez e foi até a estante e pegou um pote de barro.
- A chave da casa está aqui.
- Vocês não tem caseiro lá?
- Não, o Felipe que cuidava dessas coisas, ele contrata uma pessoa que vai lá de vez em quando.
- Ah, mas tem a chave reserva que fica naquela pedra falsa. - Pedro recordava-se bem, costumava levar algumas amigas para lá sem o conhecimento da irmã.
O silêncio não ficou absoluto apenas pelo ronronar do gato que Dona Alcinda acariciava, tendo cuidado ao passar a mão pelo rabo enfaixado.
Milena e Pedro foram juntos até o bar, cada um pegou um copo e Pedro pegou uma garrafa de whisky, Josias olhava para seu caderno, dedos tamborilando sobre o papel. Os irmãos bebiam em silêncio, Milena tinha os olhos marejados, num movimento leve e sistemático, como se boiassem em água parada, Pedro segurava firme o copo na mão e dava passos curtos de um lado a outro, de vez em quando olhava em direção à cozinha. 
Depois de alguns minutos, o telefone de Josias tocou novamente. 
- Fala, Abelardo...certo… certo. Ok. Sim, direto pra delegacia. Ok, sem novidades. - desligou e virou-se para os familiares.
- Achamos Bela.
- Minha filha, graças a Deus! Como ela está, Josias? Eu quero ver minha filha! - Milena gritou e sorriu entre lágrimas indo pra cima de Josias.
- Calma, Milena. Ela estava na casa de Caraguatatuba mesmo. Está tudo bem com ela, não se preocupe. Uma viatura está trazendo-a para a delegacia.
- E estava sozinha, Josias?
- Não, Pedro. O namorado está vindo junto. Aparentemente não estavam se escondendo, só não avisaram. Parece que ficou sem bateria no celular.
Milena voltou a chorar.
- Ela ainda não sabe do pai, sabe?
Josias ia responder algo, mas calou-se. Pensou apenas que torcia para que Bela não soubesse, do contrário, estaria em apuros.
- Vocês vão interrogar o moleque, não vão, Josias? Agora que já achamos minha sobrinha as energias tem que ser todas para prender esse moleque. Esse assassino!
- Pedro, mantenha a calma. Nós estamos fazendo o que precisa ser feito.
- Meu cunhado está morto e ninguém está preso. Acho que não estão fazendo o que precisam!
- Meu filho, acalme-se e tenha respeito com o moço. - Dona Alcinda interveio.
- Tudo bem, dona Alcinda. Todos estão nervosos. Todos estão nervosos - pelo canto dos olhos, Josias mirou Pedro que virava de novo a garrafa de whisky no copo.
- Pedro, podemos conversar… particular? - Josias passou por Pedro, puxando-o sutilmente pelo braço. Pedro deu de ombros e olhou para a irmã, que parecia em estado catatônico.
Josias caminhou com Pedro pela sala até a saída para a área externa, passaram pela piscina, Josias parou na área gourmet, próximo à churrasqueira.
- Pedro, eu não queria falar perto da Milena, a pobre está muito abalada. Que situação difícil! - Josias sentou-se num dos bancos próximos da pia, olhou para os espetos ainda sujos.
- Sim, é. - bebeu um gole generoso do copo.
- Você sabe, eu não sou só o investigador do caso, eu era amigo do Felipe… sou amigo de vocês… isso também me abalou pra caralho. - baixou a cabeça.
- É, eu sei. - Pedro, apertou o ombro do policial - Fiquei nervoso antes na sala, não foi por mal, mas sabe como é…
- Não se preocupe, Pedro, eu sei… eu sei… - depois de uma pausa, emendou - mas você acha mesmo que foi o moleque?
- Josias, pelo amor de Deus, é só botar algema e meter no xadrez. Claro que foi ele! Quem mais teria motivo pra matar o Felipe?
- Você sabe, as coisas não são assim. Ainda temos uma investigação pela frente e poucos elementos que nos ajudem.
- Pois é...e os poucos elementos levam direto pro marginalzinho, Josias. Você sabe disso melhor que eu!
Josias passou a mão pela pia e pegou um dos espetos.
- É preciso muito sangue frio pra espetar alguém no pescoço como se fosse uma asa de frango. - e simulou uma estacada no ar.
- Hei, hei...calma aí, machão. - Pedro de um sorriso nervoso e um passo para trás.
- É verdade, Pedro. Você não acha? E com uma dessas nem precisaria de muita força, qualquer um poderia dar um golpe fatal, se for certeiro e firme na mão - simulou outra vez uma estacada - e, não sei se você sabe, com um golpe assim você ainda impede que a vítima possa gritar, falar, ou seja, não pede socorro. Isso é fundamental num crime dentro de uma casa cheia. Você acha que o moleque pensou nisso tudo, Pedro?
- Pergunta isso pra ele, Josias, não pra mim. - Pedro largou o copo sobre o balcão e virou-se para voltar à sala. Josias segurou-o com firmeza pelo braço e falou por entre os dentes.
- Sim, Pedro. Nós vamos arrancar toda a verdade, vamos sim! - tinha os olhos vidrados. Voltaram para a sala, Josias olhou o relógio, consultou sua caderneta, fez mais algumas anotações, especialmente ao redor do nome de Pedro e decidiu-se.
- Milena, Pedro. Me acompanham até a delegacia?
- Mas a Bela ainda deve demorar a chegar, Josias. Eu não gosto de delegacias, você sabe.
- Eu sei, Milena, mas precisamos fazer algumas formalidades e até resolvermos isso, a Isabela chegará. Acho melhor resolver essas coisas antes dela chegar.
- Deus do Céu...tá bem. Vamos então.
- Milena, você vai com o Josias e eu levo seu carro.
- Não, Pedro. Vamos todos juntos, pode ser? Peço depois que tragam-nos de volta.
Pedro bufou antes de devolver a chave da Mercedes no porta-chaves.
- Mas e quanto à mamãe? Ela não pode ficar sozinha.
Dona Alcinda ergueu os olhos para a filha.
- Ora, Milena. Eu não sou tão velha assim, posso me virar por umas horas. Só quero que peguem o remédio do Ralf, o coitadinho deve estar sentindo dor de novo, não é Ralfinho lindo! - a mulher acariciou o gato que forçou a cabeça contra sua mão - Foram fazer mal pra você, né, meu lindo… logo você que não faz nada de mal pra ninguém...te judiaram. - falou com a manha que se fala com um bebê. Josias olhou para Milena sem entender.
- Esquece...uns dias atrás o Felipe tropeçou no gato sem querer, o bicho tava no meio da sala escura.
- Tropeçou… tropeçou coisa nenhuma, chutou meu filhinho e quase arrancou o rabo. Milena fez um gesto com a mão para que Josias esquecesse.
- Toma, mamãe. O remédio dele e os seus da pressão.
- Eu já falei que não preciso desses remédios, Milena. Isso é veneno! Meu chá de cidreira é tudo o que preciso.
- Mamãe, não é hora. Não vamos voltar a discutir isso.
Contrariada, a mulher pegou os comprimidos e botou na boca, a filha entregou o copo com água em seguida.
- Mamãe, se precisar de qualquer coisa, já sabe. É só apertar esse botão aqui no celular. - Pedro mostrou a tecla de atalho rápido.
A mulher respondeu acenando com a cabeça, enquanto tentava fazer o gato engolir o comprimido.
Após saírem, ela finalmente conseguiu fazer o gato engolir o comprimido, depois fez um movimento com a língua e colocou os dois comprimidos que tinha colocado na boca na palma da mão. Deu um sorriso de criança que aprontou alguma. Ralf olhou para ela e ela retribuiu sorrindo.
- Te amo tanto, meu amor.
Antes de voltar à sua trama de tricô, limpou a ponta da agulha de ferro que ainda tinha alguma sujeira.


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