Fluxo e consciência I

Botar uma música suave no rádio, esquecer dos outros carros, das outras pessoas, dos outros Universos e deixar tudo fluir, dentro e fora, como fosse um pedaço de madeira boiando e viajando pelos caminhos desconhecidos de um rio e acabar preso na terra barrenta de sua margem num ponto qualquer e desconhecido do mundo. Ficar ali, ver a noite, o dia, os animais que chegam para beber da água do rio e partem para outros lugares, ser Sol e ser chuva, ao léu e à sorte. Molhar e secar, dia-a-dia e ir definhando lentamente, perdendo fibras devoradas pelos insetos e pelos micróbios e por tudo o mais que é bem pequeno e necessita também se alimentar. Seco e molhado, um pedaço de madeira que vai cedendo ao tempo até deixar de ser.
Trágico fim de um graveto: perdido e só.
Mas, no carro, ouvindo a música suave, deixando que flua dentro e fora as coisas que devem fluir, como se a pele e os ossos não servissem mais de barreira para o que habita e o que circunda, esquecer o mundo para se tornar parte dele. Deixar de pensar para ter uma ideia. No vazio da mente as coisas ocorrem vertiginosamente, um túnel extenso formado com pequenos retratos de situações da vida. As pessoas que foram, as pessoas que são, os sentimentos mais tolos e puros e o riso e o choro. Outras coisas também, coisas importantes e outras sem tanta, que esquecidas já tinham sida.
Tudo e isso como se fosse apenas o movimento de tentar buscar mais ar para os pulmões, como o afogado que tem forças para subir a cabeça à superfície e vence a batalha de viver. Depois das coisas incompreensíveis chega a tristeza e um jeito tímido de tentar superar.
Superado o som, a sombra, o silêncio. Ninguém sabe, só eu. Há um segredo no Universo e tudo começa daí.

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