Um cartão de Natal
Não é exagero dizer que há horas ele estava ali, sentado na cadeira desconfortável de madeira, com a ponta da caneta pingando tinta azul no branco cartonado do papel. Coçava a têmpora num tique nervoso, como se as pontas dos dedos fossem capazes de fisgar a idéia de dentro de seu lago de imaginação. O lago estava seco. Pensar nisso o fez relembrar dos dias de que caminhava muito cedo, pés no chão, com um balde de alumínio numa mão e, na outra, a mão pequena e calosa do irmão mais novo, percorriam quilômetros até um açude que ainda não tinha sido devorado pelo monstro Sol e sua magia negra de fazer desaparecer a água. Chegavam no açude e enchiam o balde com a água barrenta que os animais deixavam. No caminho de volta, cruzavam com uma infinidade de carcaças e ossadas de bois, vacas, bodes. Do sertão só sabe quem lá viveu. Ele sabia e não queria mais saber. Uma buzina estridente na rua o despertou de sua seca viagem, voltou a si. O papel branco marcado por uma infinidade de pequenos p...