Caio F.

É com medo que escrevo para esse homem magro, de mãos grandes, cabelos ralos e que invadiu minha Vida sem qualquer pedido de permissão e transformou minhas angústias em obra de arte.
Através de seu olhar sereno, olhos grandes que absorviam além do que via, o gosto do que via, o cheiro do que via, a sensação do que via e transformava em palavras que, como um barco a vela no meio de um oceano calmo e de vento constante, passeavam pelas linhas das páginas em branco para aportarem em corações solitários, confusos, desprezados, trágicos e sonhadores como o meu.
Falar de quem cria, de quem tem a ousadia de criar é uma maneira vã de se sentir menor por não ter a mesma coragem e não permitir que os poros todos do corpo fiquem abertos e atentos para receber as alegrias e as dores que nem mesmo existem. Escrever é ter o sangue pulsado pelo coração do mundo, ser o próprio mundo escondido dentro de uns poucos metros de altura, por trás de uma pele que nem mesmo existe.
E quando se lê aquela verdade absoluta que é o seu segredo mais recôndido, nestas horas que se entende quando dizem que somos tudo e somos todos um. Ele é o um que sou eu também, eu sou um ele e sou um você e por isso que eu te quero bem e que te amo mesmo não sabendo direito quem eu sou, quem é você.
A coisa que nos liga quase que não existe, é delicada e, muitas vezes, pouco gentil. Porém, a necessidade que temos dela é de tal forma imprescindível que vale mais do que o ar e o calor do Sol que me aquece o corpo, o seu corpo.
Quando lhe abraço, quando vejo mãos se darem pelas ruas, quando toco com meus lábios uns lábios que são outros e também são meus, mesmo que por apenas aquele instante, aquele toque, estou completo e estou lhe completando. Você, esse homem magro, de mãos grandes, que teve a coragem que me falta ainda agora para ser o coração do mundo e sangrar pela ferida do outro e amar pelo amor de ninguém, você que permitiu que invadisse sua casa e seu corpo e foi gentil, deixou-me instalado no melhor cômodo de sua casa, ofereceu-me cobertor para as noites frias e abraço para as tardes solitárias. É para você que mando todo esse medo que sinto agora para dizer as coisas insensatas que não devem ser ditas da cabeça pra fora.
Lembra-se dos sonhos que dividimos desde meninos?
Agora eu os vejo acontecendo, mas você não está mais presente para dividir comigo e sorrir comigo as bobagens que pensávamos e que não conseguiram crescer como nós crescemos, "para nossa infinita infelicidade", dirá. Diria.
Pequeno coração do mundo, seu pecado foi o de ser o que os outros tentavam e fazer o que os outros queriam. Sua coragem e despudor te criaram gênio, te fizeram sensível ao toque do invisível e lhe engrandeceram.
Grande, sim, tão grande que mal cabe em toda a esperança do mundo.
Deixou a mim e aos outros órfãos de verdades incontestáveis e quantas outras ainda teria por dizer? Criador de dragões, plantador de morangos, o pequeno monstro que habita em cada um de nós. O sobrevivente das mazelas de quem não se importa, uma palmeira travestida de avenca apenas pra mostrar que a fragilidade não é fraqueza, é uma ferramenta indispensável para quem quer aprender a amar sem medida.
Deixou aqui minhas palavras reticentes para registrar que nenhuma história verdadeiramente boa termina num ponto final.E a sua, e a minha, a dos corações que abraçamos, acabou de começar.

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